Há exatamente um milênio foi colocada a primeira pedra da igreja da abadia do Monte Saint-Michel, na Normandia. O monumento tornou-se desde então um dos maiores símbolos da identidade católica da França e um dos locais de peregrinação mais importantes do mundo, com mais de 3 milhões de visitantes por ano.
Uma série de comemorações do milésimo aniversário se estenderão até novembro.
Erguendo-se num terreno relativamente inóspito, entronizado numa ilhota rochosa com menos de um quilômetro de diâmetro, rodeado por uma vasta planície arenosa sujeita aos caprichos das marés, a abadia resistiu ao teste do tempo, oferecendo-se como um espetáculo a ser visto por dezenas de gerações.
A história desse local de oração e peregrinação foi tão precária e tumultuada como o seu entorno.
Embora a construção da atual igreja da abadia remonte a 1023, uma primeira igreja dedicada a são Miguel Arcanjo teria sido construída em 708 d.C. no monte então conhecido como Mont-Tombe.
Segundo o “Revelatio”, o texto mais antigo sobre a construção da abadia, escrito por volta do início do século XI, santo Aubert, então bispo de Avranches, foi visitado três vezes em sonho pelo arcanjo, que o instruiu a construir um santuário em sua homenagem no cume do local, “para que aquele cuja venerável comemoração foi celebrada no monte Gargan, o primeiro grande santuário dedicado ao Líder do Exército Celestial, na Puglia, Itália, pudesse ser festejado com não menos fervor no meio do mar”.
Santo Aubert empreendeu a construção de uma primeira igreja com capacidade para cerca de cem pessoas, consagrada em outubro de 709, e recebeu o nome de Mont-Saint-Michel-au-péril-de-la-Mer. O prelado instalou ali 12 cônegos, encarregados de rezar o Ofício Divino e acolher os peregrinos locais.
Os cônegos foram substituídos no século X por monges beneditinos a mando de Ricardo I, duque da Normandia, que não gostava do estilo de vida opulento dos cônegos.
Em 1023, a ordem empreendeu a construção da igreja da abadia que hoje conhecemos, assentada em três criptas escavadas na rocha e na antiga capela. Este ambicioso projeto marcou um passo decisivo no alcance internacional do local, onde os milagres abundavam à medida que o fluxo de peregrinos de toda a cristandade se expandia.
“Este edifício é como a arca de Noé colocada sobre as criptas”, disse François Saint-James, guia e palestrante do monte Saint-Michel, em entrevista ao jornal Le Devoir. “Era uma época em que a França estava coberta com um manto branco de igrejas, como escreveu uma vez um monge de Cluny. Você tem que imaginar a escala gigantesca do trabalho. Os blocos de granito foram cortados nas ilhas Chausey, a 34 quilômetros daqui. Foi utilizada a pedra Caen, uma pedra macia e leve que é fácil de esculpir… Quando, no meio da Guerra dos Cem Anos, o coro em estilo românico desabou, foi reconstruído em estilo gótico flamejante”.
Enquanto a evolução arquitetônica da abadia continuou ininterrupta até o século XIX, um de seus pontos altos foi a construção de “La Merveille” (A Maravilha) no século XIII, uma joia da arte gótica normanda. É constituída por dois edifícios de três pisos, sustentados por altos contrafortes, com claustro e refeitório, 80 metros acima do nível do mar, abaixo dos quais foram construídos uma hospedaria, uma despensa e quartos de hóspedes.
A fama do santuário começou a declinar no século XVII, quando parte da abadia foi transformada em prisão pelo rei da França. Tomado pelo governo central durante a revolução, tornou-se um centro de detenção para padres que se opunham ao terror jacobino.
No século XIX, o local, classificado como monumento histórico em 1874, foi gradualmente devolvido à vida monástica e à sua vocação original de santuário. A silhueta distinta da abadia foi reforçada por uma torre neogótica em 1897, encimada por uma estátua dourada do arcanjo.
Para marcar seu milésimo aniversário, uma homenagem especial está sendo prestada à abadia que muitos apelidaram de “Maravilha do Ocidente” com a exposição “La Demeure de l’Archange” (A Morada do Arcanjo) refazendo sua história gloriosa e tumultuada através cerca de 30 obras-primas, até 5 de novembro. Muitos desses itens, que incluem esculturas, maquetes, estátuas e talheres, serão exibidos aos visitantes da abadia pela primeira vez.
Outro destaque das muitas celebrações que ocorrerão durante o verão e parte do outono francês será o “Solstício do Milênio”, um show de luzes projetado no Monte Saint-Michel de vários pontos da baía na noite de 23 de junho.
Fonte: ACI Digital