A prática do exame de consciência remonta aos primórdios da Igreja. O exame particular diário visa desenvolver as virtudes cristãs
Um artigo sobre o exame de consciência? Um pouco pesado, não? É assim mesmo que devemos embarcar na emocionante aventura de apresentar da melhor forma possível esta prática cristã, que é tão impopular quanto indispensável. No decorrer da nossa pesquisa, nos deparamos com a meditação do Papa Francisco, datada de 26 de outubro de 2017 e pronunciada na Casa Santa Marta (Vaticano), onde ele nos exorta a cumpri-la pelo menos uma vez por ano antes de se confessar, e se possível uma vez por dia antes de ir para a cama.
Para aqueles que pensam que esta é uma prática de outra era o Santo Padre respondeu que “a luta que levou Jesus contra o mal não é uma coisa antiga, uma coisa muito moderna, que é encontrada todos os dias em nossos corações“, e que, precisamente, o exame de consciência acompanha o cristão nesta luta, ajudando-o a “dar lugar ao Espírito Santo”. Para aqueles que continuam a hesitar, ele explica que “não há cristãos tranquilos e que não lutam: estes não são cristãos, eles são mornos. A vida cristã é uma luta”. Esta abordagem estimulante do exame de consciência abala quem o reduzauma introspecção destinada exclusivamente a identificar os seus pecados para vencer a sua culpa.
Um bom exame de consciência olha para o futuro
“O exame de consciência é um exercício interior que consiste em confrontar a própria vida com os mandamentos de Deus. Este olhar de verdade é doloroso porque nos damos conta do nosso pecado, mas no fundo da nossa alma encontramos também a graça de Deus”, sublinha o Padre Emmanuel Roberge. Em Veritatis splendor, de São João Paulo II, ele observa que não se trata de um diálogo íntimo do homem consigo mesmo, mas “do diálogo do homem com Deus, autor da Lei, primeiro e último modelo de homem”.
Fazer o exame de consciência é, portanto, começar colocando-se na presença de Deus, depois buscar os próprios pecados para pedir perdão e, então, decidir não cometê-los novamente. Não se trata de lamentar os seus pobres desempenhos espirituais: um bom exame de consciência está voltado para o futuro e guiado pela vontade de se aproximar cada vez mais de Cristo. “O objetivo não é embutir o pecador em seu pecado, mas ajudá-lo a se levantar. No entanto, para se elevar e se revitalizar, você deve primeiro tomar consciência da mediocridade de sua alma. Santo Inácio insiste claramente no fato de que a descoberta do horror de seu pecado deve ser direcionada ao desejo de uma santidade maior”, lembra o Pe. Jean-François Thomas, sj.
O exame de consciência diário é usado para desenvolver virtudes cristãs
A prática do exame de consciência remonta aos primórdios da Igreja. A partir do século II, os Padres do deserto se comprometeram a lutar contra as más tendências que afetam sua alma e assim progredir no plano moral e espiritual. Mas foi Santo Inácio de Loyola quem, no século XVI, o desenvolveu e racionalizou nos seus Exercícios Espirituais, distinguindo dois tipos: o exame particular e o exame geral.
O exame particular diário visa desenvolver as virtudes cristãs. “Servirá para identificar nossos pecados, mas também as falhas que nos impedem de progredir, que não são pecados em si, mas que podem levar ao pecado. Não se trata de abraçar todas as nossas infidelidades, mas de combatê-las uma após a outra. É um trabalho exigente e de longo prazo”, afirma o padre Thomas. Santo Inácio aconselha a identificar “pela manhã logo que te levantes” o pecado que queres corrigir, depois duas vezes ao dia (depois do almoço e depois do jantar) podemos fazer o exame de consciência anotando numa folha, cada vezes em uma linha diferente, o número de vezes que você caiu. O gráfico pretende testemunhar nossas vitórias progressivas.
“Não é necessário um livro ou um fichamento com os nossos erros para este tipo de exame”, avisa o padre Thomas. Você apenas tem que olhar para dentro de si, honestamente. Conhecemos nossas principais tendências que nos levam ao pecado. É o que sublinha São João Paulo II na Veritatis splendor : “No fundo da sua consciência, o homem descobre a presença de uma lei que não aderiu, mas à qual é obrigado a obedecer. Esta voz, que não cessa de incitá-lo a amar, a fazer o bem e a evitar o mal, ressoa no momento oportuno na intimidade do seu coração: “Faça isto, evite aquilo””.
As cinco etapas do bom exame de consciência
O exame geral tem como objetivo nos preparar para a confissão. É a que estamos mais acostumados e que fazemos de última hora na fila do confessionário. “É melhor do que nada, mas é um pouco tarde”, diz o padre Thomas. Porque o que aparece no último momento são os pecados mortais, que podem ter sido cometidos apenas uma vez, enquanto os menores pecados permanecerão na sombra que, por sua repetição e indiferença com que estão cercados, continuam seu trabalho de minar o profundezas de nossa alma. O Guia para o Exame de Consciência publicado pela Sagrada Penitenciária Apostólica sublinha que “a boa confissão é sempre consequência de um prévio, sincero e profundo exame de consciência – o único que pode causar dor ao cristão – sobre os pecados cometidos, e desejando libertar-se deles o mais rapidamente possível, através do encontro com a misericórdia divina no sacramento”.
Como proceder concretamente? É novamente Santo Inácio quem o explica em cinco etapas:
– Dar graças a Deus por suas bênçãos
– Pedir a ele a luz da graça para conhecer seus pecados e rejeitá-los
– Rever o que em nossos pensamentos, nossas palavras, nossas ações podem estar em oposição aos mandamentos de Deus
– Pedir desculpas por seus erros
– Firmar o propósito de não mais pecar
Armadilhas a evitar
No que se refere mais particularmente ao exame dos próprios pecados, algumas leituras serão de grande ajuda: o Decálogo, como nos sugere o Catecismo da Igreja Católica, as Bem-aventuranças, o Pai Nosso, os sete pecados capitais. Ou uma leitura de nossos deveres para com Deus, para com o próximo e para com nós próprios. Usá-los alternadamente é proveitoso, assim como pedir o conselho de um padre para que ele nos ajude a adaptá-los ao nosso perfil. Uma criança não comete os mesmos erros que um adulto, uma pessoa solteira ou um homem casado, um estudante ou uma mãe de família.
Durante este exame, duas armadilhas devem ser evitadas. “Não devemos focar nos nossos pecados, tendo uma mentalidade escrupulosa, esquecendo-nos de que somos chamados à santidade, mas também não devemos pensar que o perdão é gratuito e não requer nenhuma purificação ou conversão”, alerta o Padre Roberge. E se conseguimos fazer um exame completo de nossa consciência? “Nunca estamos seguros de que cobrimos todas as áreas, mas uma das graças do sacramento do perdão é que quanto mais confessamos, mais fácil é o exame de consciência e melhor conseguimos nos enxergar na nossa verdade”.
Fonte: Aleteia