Apresentados os volumes publicados pela casa editora São Paulo dedicados ao Papa bávaro: “Joseph Ratzinger. A escolha”, do vaticanista Orazio La Rocca, e “Meus dias com Bento XVI”, de monsenhor Alfred Xuereb, atual núncio na Coreia e na Mongólia, durante seis anos seu secretário pessoal: “Simplicidade e humanidade são os traços com os quais devemos lembrá-lo, sem deixar-se influenciar por falsos comentários e alterações por aqueles que não se esforçaram suficientemente para conhecê-lo de perto”.
Os sanduíches na campanha e as anedotas no jantar, como aquela sobre o terno e o chapéu de professor universitário na Alemanha que o alfaiate lhe havia negado, confundindo-o com um estudante. Depois, as lembranças da escola na Baviera com as visitas de São Nicolau e o terno “todo dourado”, os concertos de Natal com sua irmã Maria e seu irmão Georg, as risadas das piadas, o amor pelos animais, os folhetos com intenções de oração no genuflexório da capela. E ainda, as conversas às 5 da manhã como prefeito da Doutrina da Fé diante de uma Praça São Pedro deserta, a grande “bondade” demonstrada a todos – colaboradores, jornalistas e até personalidades como Giovanni Lindo Ferretti -, a decisão de renunciar ao ministério petrino tomada sem qualquer hesitação.
Passado mais de um mês de sua morte, “instrumentalizada – como o Papa Francisco teve ocasião de dizer no retorno de sua viagem à África – por pessoas com falta de ética”, surgem lados inéditos e de certa forma muito pessoais do homem Joseph Ratzinger e do Papa Bento XVI. O mérito é de dois livros, publicados pela editora São Paulo: Ratzinger. A escolha (Ratzinger. La scelta, título original), de Orazio La Rocca, ex-vaticanista do diário italiano Repubblica, e Meus dias com Bento XVI (I miei giorni con Benedetto XVI, título original), de monsenhor Alfred Xuereb, atual núncio na Coreia e na Mongólia, e durante seis anos secretário pessoal do Papa Ratzinger.
Um diário
Os dois volumes foram apresentados esta quinta-feira (09/02) na Sala Marconi do Palácio Pio (Sede da Rádio Vaticano) pela biblista Rosanna Virgili e os dois autores: um pessoalmente (La Rocca); o outro (Xuereb) em conexão vídeo “da longínqua Seul”. A distância foi preenchida pela emoção do prelado maltês ao listar as memórias, detalhes e histórias que compunham seu livro, que ele, no entanto, definiu como “um diário”. “Embora a capa tenha meu nome, o verdadeiro autor é Bento XVI. Tudo o que fiz foi relatar suas palavras pronunciadas privadamente, não cobertas pelo sigilo, bem como aquelas pronunciadas como “Pontífice”.
Trabalho imperioso
Para Xuereb, tal trabalho era “imperioso”. Ou seja, era necessário que o público conhecesse histórias “tão belas e significativas”, compartilhadas pelo Papa “em momentos de fraternidade”, que ele havia anotado dia após dia. “Eu senti a necessidade de colocá-los por escrito para que não se perdessem”. No coração do volume, esclareceu o ex-secretário: “não há nenhuma pretensão de impor minha ideia de Bento, eu gostaria apenas de dizer aos leitores: aqui está, este é o homem que eu tive o privilégio de conhecer”. Portanto, não são revelados nestas páginas os bastidores, informações confidenciais ou frases pronunciadas de modo confidencial, mas apenas “a sensibilidade e a alma de um Pontífice”.
Os diálogos na Praça de São Pedro
É o mesmo objetivo subjacente ao livro de La Rocca, com o peculiar subtítulo “Eu não fugi” (Non sono scappato, subtítulo original), extraído de uma declaração feita pelo próprio Ratzinger “em resposta a vozes descompostas, ele havia se pronunciado para silenciar os rumores”. O vaticanista falou na Sala Marconi sobre encontros pessoais com o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, na Praça do ex-Santo Ofício, onde ele, como “um rapace”, se acordava e esperava o cardeal alemão. “Tentei entrar em contato com os secretários, disse a mim mesmo: basta, vou esperá-lo diante da casa dele. Eu encontrei um gigante…”. Aquele homem que se acordava muito cedo para ir ao escritório, sozinho com sua pasta, concedeu ao jornalista do diário Repubblica momentos de diálogo para “falar de tudo”: desde as relações com o Islã e os judeus, até o terceiro segredo de Fátima. “Ele sabia quem eu era e me mandava gravar. Outras vezes ele gentilmente me disse que não, ou mesmo um dia se levantou muito tarde – eram 7 horas – e me disse: eu tenho que ir ao dentista. Ele se revelava com grande humanidade e simplicidade”.
Humanidade e simplicidade
Justamente com estas características, disse Xuereb, gostaria que Ratzinger fosse lembrado no futuro: “Assim como ele era na realidade, sem deixar-se influenciar por falsos comentários e alterações por aqueles que não se esforçaram suficientemente para conhecê-lo de perto”. “Concordo com Francisco”, acrescentou, referindo-se às declarações do Papa sobre a “instrumentalização” após a morte de Bento XVI em 31 de dezembro de 2022: “Entendia-se que alguém sempre queria instrumentalizar as pessoas, pessoas que não podiam mais falar. Como Bento”.
Fonte: Vatican News