Nesta sexta-feira, 22, o pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, fez sua última Pregação da Quaresma neste ano. Encerrando uma série de cinco reflexões sobre as autoproclamações feitas por Jesus, o religioso refletiu sobre a passagem do Evangelho em que Cristo afirma “eu sou o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14,6).
O cardeal iniciou afirmando que apenas o Senhor, em todo o mundo, poderia pronunciar tais palavras. “Cristo é o caminho e é a meta da viagem. Como Verbo eterno do Pai, é a verdade e a vida; como Verbo feito carne, é o caminho”, explicou.
Ele indicou que, ao comentar as palavras “eu sou o pão da vida” e “eu sou a luz do mundo” nas pregações anteriores, foi possível contemplar Jesus como a vida e a verdade, respectivamente. Desta forma, Cantalamessa se concentrou em refletir o Cristo como caminho, um modelo a ser seguido.
O pregador da Casa Pontifícia sinalizou que, assim como fez com os discípulos, Jesus segue chamando os homens a segui-lo. “A imagem do ‘caminho’ evidencia um aspecto importante do crer, que é o ‘caminhar’, isto é, o dinamismo que deve caracterizar a vida do cristão e a repercussão que a fé deve ter na conduta de vida”, expressou.
Seguimento de Cristo
Neste contexto, o cardeal apontou que “o seguimento, ao contrário da fé e do amor, não indica apenas uma atitude particular da mente e do coração, mas delineia ao discípulo um programa de vida que implica um compartilhamento total: do modo de viver, do destino e da missão do Senhor”.
Diferentemente do seguimento a outras pessoas, seguir a Cristo proporciona uma graça especial. Cantalamessa exemplifica a partir das ordens religiosas: a regra é dada por meio do fundador, mas a graça e a força para colocá-la em prática só vêm de Jesus. “O Evangelho nos foi dado pelo Jesus terreno, mas a capacidade de observá-lo e pô-lo em prática só nos vem de Cristo ressuscitado, mediante o seu Espírito”, exprimiu.
Entre as funções que Jesus atribui ao Espírito Santo está a de sugeridor, ou seja, irá recordar aos seus discípulos tudo aquilo que lhes disse (cf. Jo 14,26). O pregador da Casa Pontifícia, neste sentido, comparou o Parácilto ao sugeridor que atua no teatro, que permanece em uma cavidade para que o público não o veja e pronuncia as palavras em voz baixa. Da mesma forma, o Espírito permanece invisível e “fala em baixa voz”, diretamente ao coração.
Inspirações do Espírito
São as “inspirações do Espírito”, também chamadas de “boas inspirações”. “A fidelidade às inspirações é o caminho mais breve e seguro à santidade”, observou, acrescentando que “não sabemos em princípio qual é concretamente a santidade que Deus quer de cada um de nós; só Deus a conhece e no-la desvela à medida que o caminho prossegue”.
“Deus não faz os santos em série, não ama a clonagem. Cada santo é uma invenção inédita do Espírito”, sintetizou. Desta forma, “para alcançar a santidade, o homem não pode se limitar em seguir regras gerais que valem para todos. Deve também entender o que Deus lhe pede, e somente a ele”.
O cardeal apontou que o homem descobre o que Deus quer de si mediante os acontecimentos da vida, a palavra da Escritura, a guia do diretor espiritual, mas o meio principal e ordinário são as inspirações da graça. “Estas são solicitações interiores do Espírito no profundo do coração”, continuou, “pelas quais Deus não só dá a conhecer o que deseja de nós, mas dá a força necessária e, frequentemente, também a alegria para cumpri-lo, se a pessoa consentir”.
Contudo, ressaltou, quando se trata de decisões de importância para si próprio ou para outros, a inspiração deve ser submetida e confirmada pela autoridade, ou pelo próprio padre espiritual.
Dom do discernimento
As boas inspirações têm, em comum, com as inspirações bíblicas, a voz de Deus, que ressoa no coração com clareza. “Toda fidelidade a uma inspiração é recompensada por inspirações sempre mais frequentes e mais fortes. É como se a alma se exercitasse para chegar a uma percepção sempre mais clara da vontade de Deus e a uma maior facilidade ao cumpri-la”, observou Cantalamessa.
Ele indicou que o problema mais delicado acerca das inspirações é o discernimento daquilo que vem de Deus ou do que vem do espírito do mundo, das próprias paixões ou do maligno. Tal discernimento era concebido como o carisma que servia para distinguir – entre as palavras, orações e profecias pronunciadas na assembleia – quais provinham do Espírito de Deus e quais não.
“O sentido de discernir oscila entre distinguir e interpretar: distinguir se quem falou foi o Espírito de Deus ou um espírito diverso, interpretar o que o Espírito quis dizer em uma situação concreta”, explicou o pregador da Casa Pontifícia.
Acolher as inspirações de Deus
Entre os critérios morais para esse discernimento, citou a coerência do Espírito de Deus consigo mesmo. “Ele não pode pedir algo que seja contrário à vontade divina, tal como é expressa na Escritura, no ensinamento da Igreja e nos deveres do próprio estado. Uma inspiração divina jamais pedirá para cumprir atos que a Igreja considera imorais, por mais que a carne seja capaz de sugerir argumentos ilusórios contrários nestes casos”, pontuou.
Entretanto, às vezes os critérios objetivos não bastam, porque a escolha não é entre o bem e o mal, mas entre um bem e um outro bem. O cardeal sinalizou que uma inspiração pode vir de Deus e, apesar de ser boa, gerar perturbação. “Mas isto não é devido à inspiração doce e pacífica, como tudo o que provém de Deus; antes, nasce da resistência à inspiração ou do fato de ela nos pedir algo que não estamos prontos a lhe dar. Se a inspiração for acolhida, o coração logo se encontrará em uma profunda paz”, explicou.
Diante disso, enfatizou a importância da atenção ao discernimento no campo dos sentimentos. O fruto concreto desta meditação deve ser uma decisão renovada de confiar-se em tudo e por tudo à guia interior do Espírito Santo, como uma espécie de “direção espiritual”. “Devemos todos nos abandonar ao Mestre interior que nos fala sem tumulto de palavras”, frisou.
Por fim, Cantalamessa sublinhou que, se acolher as inspirações é importante para todo o cristão, é vital para quem tem funções de governo na Igreja. “Só assim se permite ao Espírito de Cristo guiar a sua Igreja mediante seus representantes humanos”, concluiu.
Fonte: Canção Nova