A misericórdia divina é um tema de grande importância para os papas. Nas últimas décadas, eles têm dedicado considerável atenção e reflexão a esse princípio fundamental, discorrendo sobre a relevância e impacto nos tempos atuais. São João XXIII ensinou que a missão da Igreja é anunciar a misericórdia de Deus. São Paulo VI dizia que devemos aceitar a misericórdia divina. Bento XVI afirmou que a divina misericórdia é o núcleo central da mensagem cristã. Papa Francisco vem nos proporcionando uma cultura da misericórdia.
No dia 7 de junho de 1997, São João Paulo II disse “a mensagem da Divina Misericórdia sempre esteve muito perto de mim e é muito importante para mim. Nesses anos difíceis, essa mensagem foi um apoio especial e uma fonte inesgotável de esperança, não só para os habitantes de Cracóvia, mas para toda a nação. Nos momentos mais importantes e decisivos da vida de João Paulo II, o seu pensamento decisivo foi a confiança naquilo que Santa Faustina vivenciou de modo tão dramático num convento, a mensagem da Divina Misericórdia: “Jesus eu confio em vós”. “Eu desejo que este quadro seja venerado, primeiramente em vossa capela, depois em todo mundo. Eu prometo que a alma que venerar esse quadro não perecerá”.
Ao canonizar Santa Faustina, São João Paulo II proclamou e promoveu a difusão global da imagem da Divina Misericórdia. Enriqueceu a espiritualidade católica, mas também reforçou a compreensão da misericórdia como parte da vida da Igreja. Foi durante uma revelação a Faustina que Jesus instruiu-a a pintar um quadro conforme o modelo que lhe foi mostrado, com a inscrição abaixo: “Jesus, eu confio em vós”. A autenticidade da vida da Igreja é revelada quando ela professa e proclama a misericórdia como sua missão fundamental. Parte superior do formulário
A Igreja nasce da ação evangelizadora de Jesus e da ação do Espírito sobre os doze. Ela é o fruto normal, querido, o mais imediato e o mais visível dessa evangelização, sendo sua missão fundamentada explicitamente no mandato do Senhor: Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos! (Mt 28,19-29).
A Igreja é inseparável de Cristo porque Ele mesmo a fundou. Não estando mais visível entre nós, deixou-a como um sinal, para que continuasse a sua missão de anunciar o Reino de Deus e manifestar em todos os povos a misericórdia de Deus.
Para que caminhe na história, fiel ao seu fundador, e dê prolongamento à sua missão de expandir o seu reino sobre a terra, a Igreja precisa estar atenta aos sinais dos tempos, discernindo a vontade de Deus, as novas situações que enfrenta, e buscando professar e proclamar a misericórdia de Deus. Isso se dá ao tornar os homens todos participantes da redenção salutar e orientando de fato, através deles, o mundo inteiro para Cristo e para a glória de Deus Pai.
De fato, a Igreja em sua missão, acentua cada vez mais a misericórdia do Pai, que tanto amou o mundo que enviou seu Filho Único para que tudo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16). É sua missão também anunciar a necessidade da misericórdia como condição de vida fraterna, com vistas à edificação de uma sociedade com mais justiça, liberdade e paz.
A Igreja é, em Cristo, como que o sinal e o instrumento da união íntima com Deus e da unidade e de todo gênero humano. Por isso, que aceitar proclamar o Cristo misericordioso é proclamar e aceitar que a Igreja é misericordiosa em sua missão.
Como o Cristo fazia sinais pela irradiação de toda a sua personalidade (doutrina, sabedoria, santidade, milagres), também a Igreja, pela irradiação de todo o seu ser (expansão, unidade, fecundidade, estabilidade, santidade), faz-se sinal aos homens de todos os tempos, mostrando que recebeu uma missão e uma mensagem misericordiosa, e com isso quer, profundamente, consciente realizar uma missão de amor.
A misericórdia divina proclamada e professada pela Igreja tenta levar os homens a Deus e conter em si algo de misericórdia do próprio Cristo. A Igreja incentiva os seus fiéis a viver o amor e a misericórdia. Interessante lembrar a tradicional classificação das obras de misericórdia espirituais (dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos) e as corporais (dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, visitar os encarcerados, remir os cativos e enterrar os mortos).
Viver e atualizar essas obras de misericórdia é comprometer evangelicamente com a Igreja e com os mais necessitados (cf. Lc 4,18-21). Jesus Cristo demonstrou a grandeza deste compromisso ao fazer-se homem, pois se identificou com os homens tornando-se um deles, solidário com eles, assumindo a situação em que se encontra em seu nascimento, em sua vida e, sobretudo, em sua paixão, na qual chegou à expressão máxima de pobreza (cf. Fl 2,2-5).
Assim, a Igreja em sua missão apela para uma ação das obras de misericórdia e esforça em praticar os ensinamentos de Jesus. E realizar as obras de misericórdia hoje é: comprometer com os pobres, fazendo o que Cristo nos ensinou, quando se fez irmão nosso, pobre como nós; anunciar a Palavra de Deus a todo povo que vive num processo de transformação econômica, política e social ao povo sofrido e quase descrente em si mesmo em razão das crises pelas quais passa; anunciar o Reino, mostrando a plena verdade sobre Jesus Cristo, a Igreja e o homem; mostrar Jesus como aquele que faz acontecer o reino de Deus, que é amor, justiça e liberdade; mostrar a Igreja como continuadora da missão de Cristo; mostrar que o homem é sujeito de sua liberdade e destinatário do Reino; dirigir uma mensagem de libertação integral, que inclui as dimensões da vida humana, inclusive a social, econômica e política.
Tudo aquilo, portanto, que coloca o ser humano numa situação de não vida, que o oprime, que o impede de viver a alegria e a liberdade dos filhos de Deus, deve ser arrancado da sociedade, com o intuito de realizar em comunidade a perfeição de Deus, comunhão trinitária de amor; em ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13); de formar um povo de Deus renovado e participar da construção de uma sociedade nova como sinal do Reino definitivo.
No entanto, para que a Igreja exerça plenamente a sua missão em obras de misericórdia, é necessário que os homens se aproximem dela, não de uma forma intimista, espiritualista, desencarnada da realidade, mas de uma forma concreta e historicamente demonstrável na pessoa do irmão e na construção do Reino de Deus. Pois Jesus Cristo ensinou, e a Igreja (depositária da palavra de Deus e sustentáculo da verdade revelada) continuamente repete que para se experimentar a misericórdia de Deus há de se ter misericórdia com os irmãos.
Fonte: Vatican News