“Ratzinger não foi um teólogo de ‘escrivaninha’, mas um teólogo ’em saída’”, afirma Mestre em Ciências da Religião; conheça principais documentos de Bento XVI
Ainda em vida, os escritos do Papa Bento XVI (falecido neste sábado, 31) inspiraram jornadas de estudo, cursos, dissertações e artigos acadêmicos de católicos e não católicos do mundo todo.
Doutor em teologia, Joseph Ratzinger contribuiu de forma efetiva para a formação teologal em faculdades e universidades alemãs, além de ter sido conselheiro teológico do Cardeal Frings no Concílio Vaticano II, e do Conselho dos Bispos Alemães.
Antes de seu pontificado, o então Cardeal Ratzinger publicou mais de vinte livros, entre os quais repercutiram com grande destaque “O sal da terra”, de 1997; “Dominus Iesus”, de 2000; e o célebre livro-entrevista “Informe sobre a fé”, com Vitorio Messori, em 2005.
Mestre em Ciências da Religião, o padre Rafael Beck, da diocese de Lorena (SP), recorda que sua dissertação de mestrado relacionou, em linhas gerais, um grande tema da “opera omnia” (conjunto de obras) de Joseph Ratzinger/Bento XVI: a relação entre a fé e a modernidade.
O sacerdote destaca que Ratzinger, assim como o Concílio Vaticano II, buscou mostrar a relevância da substância da fé e do ato de crer em diálogo com a modernidade e com suas grandes questões. “Ratzinger aponta os aspectos positivos e negativos da secularização e da modernidade”, indica.
Um dos maiores teólogos
Para padre Rafael, Ratzinger pode ser considerado um dos maiores teólogos da Igreja por três razões: em primeiro lugar, a vastidão de sua obra, que perpassa os grandes tratados da teologia; em segundo lugar, por sua densidade – era extremamente respeitado, inclusive pelos seus adversários no campo acadêmico, pela sua competência e rigor teológico; em terceiro lugar, pelo exercício de sua teologia pública.
“Ratzinger não foi um teólogo de “escrivaninha”, mas foi um teólogo “em saída”, que dialogava em eventos com grandes pensadores como os filósofos Jürgen Habermas e Paolo Flores D’Arcais, que enfrentava as questões de seu tempo com argumentos (como foi o caso dos embates em torno da teologia da libertação)”, complementa.
O sacerdote reflete: “(Bento XVI) Deixa-nos o legado da importância da teologia pública na construção de uma sociedade mais justa, além de encantar cristãos ao redor do mundo que redescobriram a fé como um tesouro através de seus profundos escritos”.
“(Bento XVI) Deixa-nos o legado da importância da teologia pública na construção de uma sociedade mais justa, além de encantar cristãos ao redor do mundo que redescobriram a fé como um tesouro através de seus profundos escritos” – Padre Rafael Beck
Jesus de Nazaré
Durante seu papado, Bento XVI terminou e lançou a trilogia “Jesus de Nazaré”. O primeiro volume da obra foi publicado em 2007 e era dedicado ao início da vida pública de Cristo (desde o batismo à transfiguração). A obra vendeu mais de dois milhões de cópias.
A segunda parte foi apresentada em março de 2011 e tratava dos momentos que precederam a morte de Jesus e a sua ressurreição. Bento XVI começou a escrever a obra no verão de 2003, antes de sua eleição como Papa.
O terceiro volume da trilogia aborda a infância de Jesus, e divide em quatro capítulos o arco histórico que começa na sua genealogia e termina na separação e reencontro com os pais, em Jerusalém.
Após seu pontificado, foi lançado o livro “Bento XVI: Últimas conversas”, em 9 de setembro de 2016.
Documentos papais
A primeira encíclica de Bento XVI foi “Deus caritas est”, Deus é amor, publicada em 2005. Nesta carta, o Papa Emérito destaca a caridade e afirma que o mesmo Deus que é conhecido como caminho, verdade e fundamento de vida, também é um Deus que é amor.
“Spe salvi”, é na esperança que fomos salvos, foi publicada em 2007. Neste texto, o foco de Papa Bento XVI é a esperança. Ele a descreve como uma virtude performativa, capaz de “produzir fatos e mudar a vida”.
“A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho”, escreveu o Papa Emérito na Spe salvi.
Em sua terceira encíclica, a “Caritas in veritate”, A caridade na verdade, de 2009, Bento XVI atrela o desenvolvimento humano integral a uma civilização do amor, que tenha como princípio Cristo e a caridade. O incentivo é a um olhar focado na comunhão de amor de um Deus Trino.
Em suma, as três cartas encíclicas mostram o conhecimento dos problemas da realidade mundial a partir do homem, procurando salvar os verdadeiros valores da humanidade.
Exortações Apostólicas
Nos quase oito anos de pontificado, Papa Bento XVI escreveu quatro exortações apostólicas pós-sinodais: “Sacramentum Caritatis”, “Verbum Domini”, “Africae Munus” e “Ecclesia in Medio Oriente”.
“Sacramentum Caritatis”, Sacramento da Caridade, datada de 2007, tem como foco a Santissíma Eucaristia que, de acordo com o Papa Emérito, “é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste sacramento admirável, manifesta-se o amor « maior »: o amor que leva a « dar a vida pelos amigos » (Jo 15, 13)”.
Neste documento, Bento XVI reflete a Eucaristia como o “Mistério acreditado”, o “Mistério celebrado” e o “Mistério vivido”. O Papa a relaciona com a Santíssima Trindade, com a Igreja e com os Sacramentos, além de reforçar seu valor na vida cristã.
Em “Verbum Domini”, de 2010, Bento XVI frisa a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. O documento, dividido em três partes (“Verbum Dei”, “Verbum in Ecclesia”, “Verbum Mundo”), trabalha desde a hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja, até o seu compromisso no mundo, nas muitas culturas e seu valor para o diálogo inter-religioso.
O serviço da África ao Senhor Jesus Cristo é um tesouro precioso que Bento XVI reflete em sua terceira exortação apostólica “Africae Munus”, publicada em 2011. Neste documento, o Pontífice sublinha a importância de a Igreja estar a serviço da reconciliação, da justiça e da paz neste continente. O Santo Padre também reforça valores como união, missão e evangelização.
Na última exortação de seu pontificado, a “Ecclesia in Medio Oriente”, de 2012, Papa Bento XVI dá foco para a Igreja no Médio Oriente. “Desde o alvorecer da fé cristã, peregrina nesta terra abençoada, continua hoje corajosamente o seu testemunho, fruto duma vida de comunhão com Deus e com o próximo”, escreve.
Neste texto, o Pontífice reforça a comunhão e o testemunho da Igreja no Médio Oriente, além de tratar sobre temas como ecumenismo, diálogo inter-religioso, migração, evangelização, caridade, catequese e formação cristã.
Fonte: Canção Nova