Antônio Carlos dormiu num ônibus aos 6 anos de idade. Quando acordou, estava perdido a 400 quilômetros de casa
Eu nasci mais ou menos em 1988: foi com as imprecisas lembranças de um menino de 6 anos de idade que Carlos reconstruiu a própria história ao longo de 27 anos, até que as peças finais da sua trajetória o reconectaram finalmente ao seu passado – um passado que sempre foi mais presente que o próprio presente.
Quando tinha 6 anos, Carlos fugiu de casa, assustado após presenciar uma agressão de seu padrasto contra sua mãe. O menino caminhou até o terminal rodoviário, em Juazeiro do Norte, Ceará. Sem ninguém perceber, ele entrou num ônibus e lá ficou escondido até adormecer. Quando acordou, estava em Fortaleza, a 400 quilômetros de casa, sozinho e perdido da família.
De abrigo em abrigo
O ano era 1993. O motorista do ônibus registrou junto à empresa que a criança tinha viajado escondida. Carlos foi levado a um abrigo de crianças órfãs e, a partir de então, foi passando por vários outros, além de perambular também pelas ruas da capital. Finalmente, foi abrigado pela Associação Beneficente Pequeno Nazareno, na Grande Fortaleza. O fundador da associação, o ex-frade alemão Bernardo Rosemeyer, acabou por adotá-lo.
27 anos em busca da família
O pequeno sabia o seu nome completo: Antônio Carlos da Silva. Ele se lembrava do nome da mãe, Geane, e sabia que tinha três irmãos e um tio, Nino, que lhe fazia carrinhos de barro. Era tudo. Com as carências técnicas da época, não eram peças suficientes para montar o quebra-cabeças.
Antônio Carlos tem hoje 32 anos, é motorista, casado e pai de uma filha. E ele nunca desistiu de se reencontrar, reencontrando a mãe, os irmãos e o tio.
“Você vá, mas volte”
E foi justamente um irmão que ele nem conhecia, porque tinha nascido depois do seu desaparecimento, quem completou os elos perdidos que separavam Carlos da família.
Clécio, que é enfermeiro, estava em viagem quando pegou um panfleto no Hotel Municipal de Araripe. Acabou por perdê-lo, mas, à noite, numa rede social, voltou a ver exatamente o mesmo panfleto e então o leu com atenção. Ele contava uma história familiar: a mesma relatada por sua mãe, Geane. Ela costumava dizer a Clécio quando ele saía:
“Você vá, mas volte. Perdi um filho, não aguento perder outro, não”.
“Eu nasci mais ou menos em 1988”
Os panfletos tinham sido distribuídos por Carlos e por um amigo em postos de gasolina, recepções de hotéis, churrascarias… De cidade em cidade. “E coloquei nas redes sociais”, conta o amigo, que, aliás, também se chama Carlos. O folheto traz duas fotos do Carlos desaparecido, uma de 1996 e a outra de 2020, além das informações de que ele se lembrava sobre a família:
Meu nome é Antônio Carlos da Silva.
O nome da minha mãe é Jeane ou Geane da Silva.
O nome do meu irmão é Diego.
O nome de meu tio é Nino, que é artesão.
Eu nasci mais ou menos em 1988 na cidade de Juazeiro do Norte ou nas cidades perto de Juazeiro.
Eu me perdi quando tinha 6 anos de idade, pois peguei um ônibus que me levou até a cidade de Fortaleza, onde moro até hoje.
Vou ficar grato eternamente a quem puder me ajudar a encontrar a minha família biológica!
O título do folheto deixava clara a maior das buscas do jovem:
“Procuro a minha Mãe”.
O milagre
Nesta última terça-feira, 24 de novembro, Carlos recebeu uma ligação.
A conversa com Clécio foi suficiente para que uma frase explodisse repetidamente, entre júbilo, incredulidade, lágrimas:
“Cara, tu é meu irmão! Eu não tô acreditando!”
Neste fim de semana, Carlos viajará a Juazeiro do Norte para conhecer o irmão caçula e reencontrar a avó e os outros irmãos.
A mãe, porém, ele ainda terá de esperar para poder abraçar, e será na eternidade. Geane faleceu em 2017, vítima de um câncer de mama.
Apesar da devastadora confirmação de que não voltará a vê-la nesta vida mesmo após 27 anos de espera e procura, Carlos enxerga no reencontro com a família um milagre que o enche de alegria:
“Em um ano de pandemia, de tantas tragédias, um milagre”
Os irmãos têm conversado por telefone e chamadas de vídeo desde terça-feira e estão ansiosos pelo reencontro que deve ocorrer neste sábado, dia 27. Francisca da Silva, a avó, estará presente. E Clécio avisa:
“Vai ser muita emoção para ela”
Para todos nós. Que seja uma nova etapa de alegrias, paz e união para essa família cujo filho perdido foi finalmente reencontrado.
Fonte: Aleteia