É um tema frequente no magistério da Igreja. Em uma memorável Audiência Geral de 1972, Papa Paulo VI dedicou uma catequese sobre a realidade pessoal do Maligno
“O demônio existe sim, é verdade, ele é o nosso maior inimigo”, disse o Papa Francisco em um encontro com as crianças da paróquia romana de São Crispim de Viterbo (3/03/2019).
O diabo “é aquele que procura nos derrotar na vida. É o que coloca nos nossos corações desejos maus, pensamentos feios e nos leva a fazer coisas ruins, as muitas coisas ruins que têm a vida, chegando até às guerras”, afirmou o Papa.
Mas como podemos nos comportar para nos defendermos destas agressões do demônio?
Segundo o Papa Francisco, antes de tudo com a oração.
Por isso é preciso rezar a Jesus para que afaste o diabo de nós, para que não deixe que ele se aproxime de nós. Vocês sabem qual é a maior qualidade do diabo? Porque ele tem qualidade: é muito inteligente, mais inteligente do que os teólogos! É inteligente e essa é uma qualidade. Mas a qualidade que mais aparece no diabo e melhor se exprime é que é um mentiroso. No Evangelho é chamado de pai da mentira.
A Quaresma é o período ideal para não se esquecer do demônio, com o pensamento a Jesus que no deserto pôde enfrentá-lo. João Paulo II, em 26 de fevereiro de 2004, por ocasião do encontro com os párocos romanos disse:
Enquanto empreendemos o itinerário quaresmal, olhemos a Cristo que jejua e luta contra o diabo. Nós também, como Cristo, somos chamados a uma luta forte e decidida contra o demônio.
Histórica catequese de Paulo VI
O que faz do diabo um grande perigo a ser enfrentado somente com as nossas forças é a sua capacidade de se mimetizar, a inconstância que reforça o seu poder enganador. De fato, em cada época há o diabo que corresponde melhor aos seus pesadelos.
Na Idade Média era representado ingenuamente como um bode maléfico com o rabo pontudo, na metade do século XX sua imagem era de uma nuvem de cogumelo atômico. Depois veio o período da negação da sua existência. Era o tempo do materialismo, do relativismo, dos ateísmos de estado, do niilismo: se não existe Deus, não deve existir seu antagonista. Mas que o homem negue a existência do diabo é o sucesso mais estrepitoso do próprio diabo.
Na memorável audiência de 15 de novembro de 1972, Paulo VI alude ao demônio de forma clara:
O mal não é apenas uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e perversor. Realidade terrível. Misterioso e assustador. Quem se recusa a reconhecer sua existência deixa de lado o ensino bíblico e eclesiástico; ou faz dele um princípio que existe por si mesmo e não tem, como qualquer outra criatura, sua origem em Deus; ou então o explica como uma pseudo-realidade, uma personificação fantástica e conceitual das causas desconhecidas de nossos infortúnios.
O problema do mal, visto em sua complexidade e em seu absurdo em relação à nossa racionalidade unilateral, torna-se gritante: constitui a maior dificuldade para nossa compreensão religiosa do cosmos. Não sem razão, Santo Agostinho sofreu por isso durante anos: “Quaerebam unde malum, et non erat exitus”, procurou saber de onde vinha o mal e não encontrou explicação (Confissões, VII, 5, 7, 11, etc., PL ., 22, 736, 739).
“Príncipe do mundo”
Prossegue o Papa Paulo VI:
Eis aqui, então, a importância que o conhecimento do mal adquire para nossa justa concepção cristã do mundo, da vida, da salvação. Em primeiro lugar, no desenvolvimento da história evangélica, quem não se lembra, no início de sua vida pública, da página muito densa de significados da tripla tentação de Cristo? E depois, nos múltiplos episódios evangélicos, nos quais o Diabo atravessa o caminho do Senhor e figura nos seus ensinamentos (cf Mt 12, 43). E como não lembrar que Cristo, referindo-se ao Diabo três vezes como seu adversário, o chama-o de “príncipe deste mundo”? (Jo 12, 31; 14, 30; 16, 11).
E a tarefa dessa presença nefasta é indicada em muitas, muitas passagens do Novo Testamento. São Paulo o chama de “deus deste mundo” (2 Co 4, 4), e nos adverte sobre a luta às escuras que nós, cristãos, devemos manter não com um só diabo, mas com uma pluralidade aterrorizante: “Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6, 12).
Inimigo oculto
O demônio, continua o Papa Paulo VI:
é o inimigo número um, é o tentador por excelência. Também sabemos que esse ser sombrio e perturbador realmente existe e que ainda age com astúcia traiçoeira; é o inimigo oculto que semeia erros e infortúnios na história humana. Devemos recordar a parábola reveladora da boa semente e do joio, síntese e explicação da falta de lógica que parece presidir às nossas surpreendentes vicissitudes: “Inimicus homo hoc fecit” (Mt 13, 28). O inimigo fez isso. Ele é “o homicida desde o princípio… e o pai de todas as mentiras”, tal como definido por Cristo (cf. Jo 8, 44); é o enganador sofístico do equilíbrio moral do homem. Ele é o encantador pérfido e astuto, que sabe como se insinuar em nós através dos sentidos, da fantasia, da luxúria, da lógica utópica ou dos contatos sociais desordenados no curso de nossas ações, para introduzir nele desvios, tanto mais prejudiciais porque parecem estar em conformidade com nossas estruturas físicas ou mentais ou com nossas aspirações instintivas e profundas.
Este capítulo sobre o Diabo e sobre a influência que ele pode exercer, tanto em pessoas individuais quanto em comunidades, sociedades inteiras ou eventos, é “um capítulo muito importante da doutrina católica que deveria ser estudado novamente”, diz o Papa Paulo VI, reconhecendo que hoje se dá pouca atenção ao tema.
Alguns pensam encontrar nos estudos psicanalíticos e psiquiátricos ou nas experiências espíritas, hoje excessivamente difundidas em muitos países, compensação suficiente. Teme-se cair nas velhas teorias maniqueístas ou nas terríveis divagações fantásticas e supersticiosas.
Nossa doutrina se torna incerta, pois se torna como que obscurecida pela própria escuridão que cerca o Diabo. Mas a nossa curiosidade, estimulada pela certeza da sua múltipla existência, torna-se legítima com duas questões: Existem sinais, e quais, da presença da ação diabólica? E quais são os meios de defesa contra um perigo tão insidioso?
Sinais da presença da ação diabólica
A resposta à primeira pergunta requer muita cautela, embora os sinais do Maligno pareçam tornar-se evidentes (Cf. TERTULL. Apol. 23). Poderemos supor sua ação sinistra onde a mentira se afirma hipócrita e poderosa contra a verdade evidente; onde o amor é eliminado por um egoísmo frio e cruel; onde o nome de Cristo é contestado com ódio consciente e rebelde (cf 1Co 16, 22; 12, 3); onde o espírito do Evangelho é mistificado e negado; onde o desespero se afirma como a última palavra etc.
O problema do mal continua a ser um dos maiores e mais permanentes problemas do espírito humano, mesmo depois da resposta vitoriosa do próprio Jesus Cristo. “Sabemos – escreve o evangelista João – que somos de Deus, e que o mundo todo jaz sob o Maligno” (1Jo 5, 19).
Meios de defesa contra um perigo tão insidioso
À outra pergunta sobre qual defesa, sobre qual remédio usar para se opor à ação do Diabo, a resposta é mais fácil de formular, embora continue difícil de atualizá-la. Podemos dizer que tudo o que nos defende do pecado nos defende do inimigo invisível. A graça é a defesa decisiva. A inocência assume um aspecto de fortaleza. E, igualmente, cada um lembra em que medida a pedagogia apostólica simbolizou na armadura do soldado as virtudes que podem tornar o cristão invulnerável (cf. Rm 13, 12; Ef 5, 11; 1Ts 5, 8). O cristão deve ser militante; deve ser vigilante e forte (1P 5, 8); e às vezes ele deve recorrer a algum exercício ascético especial para evitar certas incursões diabólicas. Jesus o ensina indicando o remédio “na oração e no jejum” (Mc 9, 29). E o apóstolo sugere a linha principal a seguir: “Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem.” (Rm 12, 21; Mt 13, 29).
Conhecendo, portanto, as adversidades atuais em que hoje se encontram as almas, a Igreja e o mundo, procuraremos dar sentido e eficácia à costumeira invocação da nossa oração principal: «Pai Nosso… livrai-nos do mal!”. A nossa Bênção Apostólica também vos ajude em tudo isso.
Fonte: Aleteia