Mohamed, com apenas 9 anos de idade, fugiu de sua casa no Marrocos para buscar um futuro na Europa. Depois de passar por vários centros de proteção à criança, uma comunidade de religiosas o acolheu, deu-lhe estabilidade e acompanhamento humano em um percurso que hoje lhe permite fazer um mestrado universitário e trabalhar para outros migrantes na Fundación Centro Tierra de Todos.
Nas ruas estreitas do centro de Cádis, na Espanha, há um rosto que está se tornando cada vez mais familiar, por estar acostumado a acompanhar os migrantes que chegam, especialmente da África. Trata-se do assistente social Mohamed El Harrak, um jovem profissional de origem marroquina que trabalha para a Fundación Centro Tierra de Todos e que conhece os sofrimentos da migração, pois os vivenciou na própria pele.
Mohamed tinha apenas 9 anos de idade quando seu pai foi preso, deixando os três irmãos mais velhos, ele e sua mãe em uma situação de abandono em Ketama, uma área rural no norte do Marrocos, na África, onde viviam na pobreza. Mas aquela criança tinha ouvido falar que o porto de Tânger não ficava tão longe e que de lá era possível ir até a Espanha, uma espécie de terra prometida onde muitos marroquinos conseguiam construir um futuro.
Então, apesar de sua pouca idade, Mohamed não hesitou, fugiu de casa e viajou 220 quilômetros para chegar à cidade. Depois de vagar pelas ruas durante semanas, e após inúmeras tentativas fracassadas, aproveitou um semáforo vermelho para entrar em um caminhão e se esconder no estepe. Algumas horas depois, o veículo embarcou em um navio e chegou ao porto espanhol de Algeciras, onde a polícia rapidamente descobriu o pequeno clandestino.
“Foi um caso que causou escândalo, porque era uma novidade o fato de uma criança tão pequena ter chegado do jeito que eu cheguei. Durante vários dias, fui de uma delegacia de polícia para outra antes de ser colocado em um centro de acolhida chamado El Cobre”, lembra Mohamed. A partir desse momento, começou uma jornada que, em dois anos, o levou a seis diferentes casas de proteção em várias cidades da região espanhola da Andaluzia. De fato, de acordo com os registros oficiais, ele é o menor desacompanhado mais jovem a ter chegado à Espanha como migrante sem documentos.
A tão sonhada estabilidade
Ele mesmo admite que, sendo tão jovem, não tinha autocontrole e sempre fugia das residências porque não conseguia se adaptar a nada. Foi somente quando chegou ao Centro para Menores Divina Infantita, em Cádis, mantido pelas Escravas da Menina Imaculada, que ele encontrou a tão sonhada estabilidade. Mohamed estava prestes a completar 12 anos de idade. Lá, foi acolhido por cinco religiosas que, junto com uma equipe interdisciplinar de profissionais, ofereceram-lhe um acompanhamento adequado e conseguiram matriculá-lo no colégio salesiano, quando um novo mundo se abriu para ele, caracterizado principalmente pela acolhida que recebeu de seus colegas e de suas famílias.
“Meu objetivo era atingir o mesmo nível linguístico, cultural e acadêmico que eles e seguir seus hábitos. Eu disse a mim mesmo: já que estou aqui, tenho que me integrar. Eu acordava e dormia na biblioteca”, diz o jovem, que fazia dos estudos e do futebol seu programa diário.
Assim, Mohamed conseguiu concluir seus estudos e conquistou um diploma em atendimento a pessoas em condições de vulnerabilidade e outro em animação sociocultural e turística. Mas isso não foi suficiente para ele. Graças a uma bolsa de estudos, Mohamed obteve o diploma em serviço social na Universidade de Cádis, um curso que ele fez enquanto trabalhava quarenta horas por semana. Isso permitiu que ele se sustentasse e não perdesse a permissão de residência concedida pelo governo espanhol, porque já era maior de idade e precisava assumir suas responsabilidades como migrante.
Um momento inesquecível
Mohamed tinha 20 anos de idade quando retornou ao Marrocos para visitar sua família. Ele já mantinha contato telefônico com seus pais, que, nesse meio tempo, haviam acrescentado dois novos filhos à família. “Foi o momento mais emocionante da minha vida, porque fui lá para conhecê-los. Eu nunca os tinha visto e fui buscá-los na escola. Acho que foi o melhor momento de minha vida”, diz Mohamed, emocionado.
A essa altura, porém, ele já havia criado raízes na Espanha, para onde voltou com o objetivo de continuar trabalhando na área de serviços sociais. Hoje, ele está cursando um mestrado em Mediação e trabalha para a Fundación Tierra de Todos, uma organização que pertence ao Bispado de Cádis e Ceuta e se dedica, entre outros projetos, à recepção e promoção de migrantes.
O diretor do Secretariado de Migração do bispado, o missionário scalabriniano Sante Zanetti, conhece de perto a história de Mohamed e também a dos milhares de migrantes que já encontrou na Europa e na América durante sua vida religiosa. Para Zanetti, o grande desafio diante da migração é ajudar a garantir que as pessoas não precisem perder sua identidade ou mesmo seus valores, e que aprendam a interagir com as características da sociedade que as acolhe. “Trata-se de unir habilidades, valores e projetos para criar essa nova humanidade cujo caminho nos é mostrado por Jesus Cristo. Essa união de forças, projetos e fé nos ajuda a construir um mundo melhor, mais fraterno e mais humano”, afirma o sacerdote.
E Mohamed está envolvido nesse projeto. Devido à sua origem, idioma, experiência e habilidades adquiridas, desempenha um papel fundamental na recepção e orientação daqueles que pela primeira vez chegam a Cádis vindos da África. “Meu objetivo sempre foi ser um exemplo para eles. Eu digo a cada um que mantenha a calma, seja paciente, assuma responsabilidades, porque tudo é alcançado se você seguir o caminho certo”, garante Mohamed. O garoto que fugiu do Marrocos tem agora 25 anos e há cinco meses obteve a nacionalidade espanhola. Isso é muito apreciado por seus colegas porque, na opinião deles, Mohamed oferece uma grande contribuição ao país.
Essa reportagem foi realizada em colaboração com o Global Solidarity Fund.
Fonte: Vatican News