“O desígnio de Deus para a humanidade é bom, mas em nossa vida cotidiana experimentamos a presença do mal”, alertou Francisco na catequese desta quarta-feira, 27
“A oração dos justos” foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral desta quarta-feira, 27, realizada na Biblioteca do Palácio Apostólico, por causa da pandemia de coronavírus ainda em andamento. O Pontífice ressaltou: “O desígnio de Deus para a humanidade é bom, mas em nossa vida cotidiana experimentamos a presença do mal. Os primeiros capítulos do Livro do Gênesis descrevem a expansão progressiva do pecado nas vicissitudes humanas”.
Segundo o Santo Padre, Adão e Eva duvidavam das intenções benevolentes de Deus, pensavam que tinha a ver com uma divindade invejosa, que impedia a sua felicidade. “Daí a rebelião: eles não acreditam mais num Criador generoso, que deseja sua felicidade. O seu coração, cedendo à tentação do maligno, é tomado por delírios de onipotência: ‘Se comermos o fruto da árvore, nos tornaremos como Deus’. E esta é a tentação: esta é a ambição que entra no coração. Mas a experiência segue na direção oposta: os seus olhos se abrem e descobrem que estão nus, sem nada. Não se esqueçam disso: o tentador é um mau pagador, ele paga mal’”, alertou.
O mal se torna ainda mais perturbador com a segunda geração humana, sublinhou o Papa, que exemplificou esta afirmação ao recordar a história de Caim e Abel. Francisco conta que Caim tem inveja de seu irmão: “Há o verme da inveja”. Embora seja o primogênito, o Pontífice explica que Caiam vê Abel como um rival, alguém que ameaça a sua primazia. “O mal aparece em seu coração e Caim não consegue dominá-lo. O mal começa a entrar no coração: os pensamentos são sempre de olhar mal o outro, com suspeita. E isso, também com o pensamento: ‘Este é ruim. Me fará mal. E isso vai entrando no coração’”. Assim, o Papa aponta que a história da primeira fraternidade se conclui com um homicídio, e faz uma analogia à fraternidade humana: guerras por toda parte.
De acordo com Francisco, na descendência de Caim, se desenvolvem os trabalhos e as artes, mas se desenvolve também a violência, expressa pelo cântico sinistro de Lamec, que soa como um hino de vingança: “Por uma ferida, eu matarei um homem, e por uma cicatriz matarei um jovem. Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete”, frisou o Pontífice, que prosseguiu: “A vingança: você fez, você pagará. Mas isso não diz o juiz, digo eu. Torno-me juiz da situação. Assim, o mal se espalha como uma mancha de óleo, até ocupar todo o quadro: ‘O Senhor viu que a maldade do homem crescia na terra e que todo projeto do coração humano era sempre mau’”. O Santo Padre afirmou que os grandes afrescos do dilúvio universal e da torre de Babel revelam a necessidade de um novo início, assim como de uma nova criação que terá sua realização em Jesus Cristo.
No entanto, nas primeiras páginas da Bíblia, está escrita também outra história, menos evidente, muito mais humilde e devota, que representa o resgate da esperança, destacou o Papa. Mesmo que quase todos se comportem de maneira brutal, fazendo do ódio e da conquista o grande motor das vicissitudes humanas, existem pessoas capazes de rezar a Deus com sinceridade, capazes de escrever o destino do homem de uma maneira diferente, revelou Francisco.
A oração autêntica liberta dos instintos de violência
O Santo Padre citou como exemplo Abel, que oferece a Deus um sacrifício de primícias. Depois da sua morte, Adão e Eva tiveram um terceiro filho, Set, de quem nasceu Enós, que significa mortal. Depois aparece Henoc, personagem que “caminha com Deus”, arrebatado por Deus. Por fim, Noé, um homem justo que “caminhava com Deus”, diante do qual Deus detém seu propósito de cancelar a humanidade. E Francisco acrescentou:
“Lendo essas histórias, tem-se a impressão de que a oração seja ao mesmo tempo um escudo, seja um refúgio do homem diante da onda do mal que cresce no mundo. Nós também rezamos para ser salvos de nós mesmos. É importante. Rezar: ‘Senhor, por favor, salva-me de mim mesmo, das minhas ambições, das minhas paixões. Salva-me de mim mesmo’. As pessoas que rezam nas primeiras páginas da Bíblia são homens promotores de paz: na verdade, a oração, quando é autêntica, liberta dos instintos de violência e tem um olhar voltado para Deus, para que Ele volte a cuidar do coração do homem”.
Essa qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões, afirmou o Pontífice, citando o Catecismo da Igreja Católica. “A oração cultiva canteiros de renascimentos em lugares em que o ódio do homem só foi capaz de ampliar o deserto. A oração é poderosa, porque atrai o poder de Deus e o poder de Deus sempre dá vida: sempre. Ele é o Deus da vida e faz renascer”, frisou o Papa.
A oração é sempre uma corrente de vida
O senhorio de Deus passa pela corrente de homens e mulheres, muitas vezes incompreendidos ou marginalizados no mundo, contou o Santo Padre. “O mundo vive e cresce graças à força de Deus que esses seus servidores atraem com a sua oração. São uma corrente que não é barulhenta, que raramente sai nas manchetes, mas é muito importante para restabelecer a confiança no mundo”. O Pontífice contou uma história:
“Lembro-me da história de um homem: um chefe de governo, importante, não desse tempo, de tempos passados. Ateu. Ele não tinha senso religioso em seu coração. Mas quando criança, ouvia a avó que rezava, e isso permaneceu em seu coração. Num momento difícil de sua vida, aquela lembrança voltou ao seu coração e disse: ‘Mas a avó rezava…’. Ele começou a rezar com as coisas que sua avó dizia e ali encontrou Jesus. A oração é sempre uma corrente de vida, sempre. Muitos homens e mulheres que rezam, rezam, semeiam vida”.
Francisco continuou: “A oração semeia vida. A pequena oração… Por isso que é importante ensinar as crianças a rezar. Me dói quando encontro crianças e ‘faço o sinal da cruz’, e elas fazem assim, fazem um gesto: não sabem fazê-lo. Ensine as crianças a fazerem bem o sinal da cruz: é a primeira oração. Que as crianças aprendam a rezar. Depois, talvez, elas se esqueçam, sigam outro caminho; mas isso permanece no coração, porque é uma semente de vida, a semente do diálogo com Deus”.
Ao concluir a sua catequese, o Pontífice afirmou que o caminho de Deus na história é transitado por essas pessoas. “Passou por um ‘resto’ da humanidade que não se conformou com a lei do mais forte, mas pediu a Deus para realizar os seus milagres e transformar o nosso coração de pedra em coração de carne. E isso ajuda a oração: porque a oração abre a porta para Deus, para que transforme o nosso coração muitas vezes de pedra, num coração humano. É preciso muita humanidade, e com a humanidade se reza bem”.
Fonte: Canção Nova