Em sua Encíclica “Fratelli tutti” – assinada em 3 de outubro de 2020 Assis – o Papa Francisco fala da “amizade social” como forma de “sonhar e pensar numa outra humanidade”. A terapia para um mundo doente é a fraternidade, o texto de referência é o documento de Abu Dhabi e o modelo é o do Bom Samaritano, que assume “a dor dos fracos, em vez de fomentar o ódio e o ressentimento”.
E precisamente inspirada na terceira encíclica do Papa Francisco, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propôs como tema da Campanha da Fraternidade deste ano “Fraternidade e Amizade Social” e como lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23, 8). Em sua série de reflexões a este respeito, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje “Os desafios para a Amizade Social – CF/2024”:
“Na mensagem de São Paulo VI para a Quaresma de 1973 já se dizia: “a Quaresma é o tempo de sacrifício e penitência, mas é também um tempo de comunhão e solidariedade (…) cada um dos homens, na verdade, é chamado a compartilhar realmente os sofrimentos e as desventuras do todos os demais. Assim, a esmola e o dom de si mesmo não devem ser atos isolados e ocasionais, mas sim a expressão de união fraterna entre todos”.
O desafio da Campanha da Fraternidade desse ano de gestar uma amizade social é uma experiência que não é solitária e egoística, mas que nos une na mesma fé, de que Deus “criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos”. Por isso o lema persegue uma frase bíblica desafiadora: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23, 8). Esta campanha convoca os cristãos a uma maior participação nos sofrimentos de Cristo como possibilidade de auxílio aos pobres, iniciando na Quaresma e ressoando pelo ano todo (cf. Documento CNBB 34, n. 4.3). “A Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma. Ela não esgota a Quaresma. Dá-lhe, porém, o tom, mostrando, a partir de uma situação bem específica, o que o pecado pode fazer quando não o enfrentamos. Por isso, a cada ano, recebemos um convite para viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social” (CF 2023: Texto-Base, Apresentação).
No meio da cena do cartaz da Campanha da Fraternidade está o Papa Francisco, com sua bengala. Esta imagem expressa aquele que assume suas limitações e propõe ao mundo a amizade social por meio de sua Encíclica Fratelli tutti. Ele mostra que é um caminho necessário para garantir a boa convivência e a subsistência de todos os seres humanos, inclusive os idosos. Está aí o Papa Francisco com uma bengala ou cadeira de rodas, tal como João Paulo II, incansáveis anunciadores do Evangelho, mesmo na velhice e enfermidade.
O Santo Padre usa a cruz de dom Helder Câmara, que participou da fundação da CNBB em 1952, no Rio de Janeiro, sendo o primeiro secretário-geral da Conferência. Esta imagem recorda as semelhanças entre estes dois grandes homens de fé, que tanto colaboraram e colaboram com a história da CNBB e da Igreja no Brasil e no Mundo. Embora sendo criada por dom Eugênio Sales, então arcebispo da Arquidiocese de Natal, em 1962, foi dom Helder Câmara, secretário-geral da CNBB da época, que empreendeu os esforços necessários para tornar a Campanha da Fraternidade ser assumida por toda a Igreja do Brasil nesse período precioso e favorável da Quaresma. Tempo de Conversão, tempo de mudança, tempo de caridade fraterna.
O texto-base deste ano faz uma rica reflexão sobre a amizade humana, num espírito de comunhão, participação e missão que é a proposta do Concílio Vaticano II e da Encíclica Fratelli tutti. Diz assim o texto-base: “A amizade, esse sentimento fiel de estima entre as pessoas, é um dom de Deus, um fenômeno humano universal, que nasce da livre oferta de si mesmo para abrir-se ao mistério do outro. É um caminho de humanização e de renovação das relações fraternas, que nos permite existir e viver com a responsabilidade e o compromisso de transformar a própria vida e a vida do outro. Como é bom ter amigos!”.
Na Encíclica Evangelii Gaudium, seu primeiro documento oficial, o Papa Francisco aponta desta forma um desafio da construção da Amizade Social: “ir além dos grupos de amigos e construir a amizade social, tão necessária para a boa convivência (…) [fugindo] da inimizade social, que só destrói(…). Isso nem sempre é fácil, principalmente hoje, quando parte da sociedade e da mídia se empenha em criar inimigos para derrotá-los em um jogo de poder. O diálogo é o caminho para ver a realidade de uma maneira nova, para viver com entusiasmo os desafios da construção do bem comum”. “Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros(…) ” (EG,n.87).
Às vésperas da festa de São Francisco de Assis de 2020, o Papa Francisco lançou a Carta Encíclica Fratelli tutti, na qual, inspirado pela vida do Santo de Assis, pela reflexão conjunta com o Imã Ahmad Al-Tayyeb e por numerosas cartas e documentos recebidos de pessoas e grupos de todo o mundo (cf. FT, n. 5), apresenta o seu projeto de fraternidade, baseado na amizade social e no amor político, tendo o diálogo como caminho necessário para a cultura do encontro. Mas, o que é amizade social? Deixemos que o próprio Papa Francisco nos responda: amizade social é “amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço”(FT,n.1); amizade social é “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física” (FT,n.1); amizade social é um amor “ desejoso de abraçara todos” (FT,n.3); amizade social é “comunicar com a vida o amor de Deus, recusando impor doutrinas por meio de uma guerra dialética” (cf.FT,n.4); amizade social é viver livre “de todo desejo de domínio sobre os outros”(FT,n.4); amizade social é “o amor que se estende para além das fronteiras”(FT,n.99),”para todo ser vivo”(FT,n.59). Amizade social é o “amor que rompe as cadeias que nos isolam e separam, lançando pontes; o amor que nos permite construir uma grande família na qual todos nós podemos nos sentir em casa (…) Amor que sabe de compaixão e dignidade” (FT,n. 62); amizade social é a nossa “vocação para formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros” (FT,n.96); amizade social é “a capacidade diária de alargar o meu círculo, chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo de interesses, embora se encontrem perto de mim” (FT,n.97)
Amizade social – segundo o Papa Francisco é “o amor que implica algo mais do que uma série de ações benéficas. As ações derivam de uma união que propende cada vez mais para o outro, considerando-o precioso, digno, aprazível e bom, independentemente das aparências físicas ou morais. O amor ao outro por ser quem é impele-nos a procurar o melhor para a sua vida. Só cultivando essa forma de nos relacionarmos é que tornaremos possível aquela amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos”(FT,n.94). Esse belo resumo acima está no número 16 do Texto-base da Campanha da Fraternidade.”
Fonte: Vatican News