Simplicidade não é rigorismo nem frustração. Basicamente, trata-se de distinguir suas verdadeiras necessidades daquilo que você acumulou a mais e que sutilmente se tornaram rotinas de luxo. Exercitar esse discernimento é uma tarefa espiritual genuína
Nos últimos vinte anos foi surgindo gradualmente a consciência de uma vida mais simples, movida pela ideia de proteção ao planeta ou por uma preocupação real com a vida interior: consumir não traz felicidade, redescubramos a simplicidade. Em todo o mundo florescem movimentos que defendem a sobriedade, em oposição ao “querer sempre mais” da sociedade de consumo. Iniciativas como “um ano sem” TV, sem compras, sem carro são cada vez mais populares. Mas, para alguns, simplificar suas vidas e buscar o essencial parece muito abstrato e difícil. No entanto, não há nada de especial neste modo de vida.
Simplicidade não é austeridade nem frustração
Amélia, de trinta e poucos anos, três filhos, ficou sabendo do modo de vida sóbrio por meio das atividades de escotismo. Ela e o marido então optaram por morar no campo para ter uma vida simples e criar os filhos na natureza. Ela costuma comprar roupas de segunda mão para a família. “Entre os vizinhos, compartilhamos as verduras e as frutas da horta. Não temos televisão, o que nos permite vivenciar noites familiares ou culturais muito ricas. Consertamos nossos aparelhos para que durem mais, e nossas férias são sempre passadas nas montanhas, perto de casa. É uma escolha”. Sua luta contra o desperdício se estende por todas as dimensões da sua vida, desde observar o seu comportamento até planejar com antecedência as compras de supermercado para evitar a compulsividade. Junto a algumas amigas, Amélia instituiu o “dia da doação”. Elas dispõem de todos os objetos que lhe são supérfluos no momento e todos podem vir e escolher gratuitamente o que desejarem. “Desse despojamento eu me sinto livre para me concentrar sobre o essencial: o amor e serviço. Sem falar na grande alegria que sinto ao doar”.
A simplicidade não é austeridade nem frustração, mas “uma escolha pela ascese, um estado de espírito que consiste em vivenciar o ser, ao invés do ter”, afirma Isabelle, médica e adepta da simplicidade. Não se trata de cultivar a pobreza pela pobreza, mas sim uma forma de compreender o lugar dos bens materiais que Deus nos deu administrar. “Mais concretamente, viver com simplicidade é impor limites a si mesmo”, disse Cyrille Court, pastor protestante. É deixar ir as coisas supérfluas e aprender a se contentar com o importante, o essencial. O segredo é simples: renunciar e se alegrar, esses são os dois lados da simplicidade. A sua vivência não é ausente de dor, mas certamente cheia de felicidade, dizem aqueles que a praticam.
Mas de onde vem esse chamado? As respostas são diversas. Alguns optaram por proteger o planeta e se abster de quaisquer vestígios supérfluos de CO2. Outros se aproximam dos antigos sábios para encontrar paz, uma qualidade do ser, longe das sirenes do mundo. A perspectiva cristã vai além. A simplicidade é antes de tudo procurada para dar lugar ao amor: amor a Deus, aos outros e a si mesmo. Todos os cristãos são chamados ao abandono e ao despojamento, como diz São Lucas (14, 25): para um, será vender tudo para seguir a Cristo; para o outro, compartilhar seus bens, doar seu tempo ou seus talentos. Mas, em termos concretos, o que fazer para buscar o essencial?
Entre no processo da simplicidade
Primeiro passo para a simplificação: perceber que a ideia do bem-estar a todo momento monopoliza nossos pensamentos e acaba nos afastando de Deus. Em nossa sociedade de abundância (ou mesmo de excessos), conseguir se libertar das constantes investidas do consumismo é um verdadeiro caminho de resistência. “Nossa sociedade funciona sob frustração programada”, comenta Pierre. Sair disso significa parar por um momento para refletir sobre como administramos nossos bens e frear a febre das compras. Assumir a abordagem da simplicidade exige algumas perguntas essenciais: “Qual é o valor das coisas? Quem se permite comprar isso? Será que isso me será realmente útil?”. Pierre sempre usa essas perguntas antes de comprar algo novo.
Este engenheiro e pai, diz que se sente interpelado pelas palavras de São João Crisóstomo: “O pão que você guarda é daquele que tem fome; a roupa que você mantém no seu baú pertence aquele que está nu”. Além disso, uma reflexão que todos podem fazer, especialmente quando formos receber os outros para um jantar, um casamento, ou qualquer outra festa: evite mostrar-se excessivamente, a exibição indecente do luxo supérfluo satisfaz a vaidade, mas pode escandalizar e magoar outras pessoas. É perfeitamente possível receber bem, de forma simples.
Liberte-se dos ditames da sociedade
Segundo passo: libertar-se da pressão da sociedade com seus ditames profissionais e sociais. Trabalhar mais para ganhar mais, aumentar o lazer, estar à vista, focar no desenvolvimento pessoal, coisas que muitas vezes praticamos em detrimento das pessoas ao nosso redor e da nossa paz interior. Será que aos olhos dos outros, nós somos livres em relação ao modelo social?
Pouco a pouco essa reflexão sobre a simplicidade leva a uma revisão das nossas prioridades. Pierre decidiu trabalhar 85% do tempo em solidariedade aos desempregados. Ele pode assim ajudar associações e fazer caminhadas nas montanhas. Já Sofia, aos 45 anos, pediu demissão do trabalho de pesquisadora para ser “capelã” em um hospital e fazer o acolhimento numa associação para pessoas em busca de trabalho. Isabelle suspendeu sua prática profissional por dez anos para criar seus filhos com mais calma e participar da vida comunitária de sua cidade. Stéfano e Maria recusam “passeios muito mundanos dos quais você sai com a sensação de ter perdido a noite” e preferem jantares entre amigos. Este tempo livre também nos traz a vantagem de estarmos mais disponíveis para a família, para compromissos altruístas e para amizades verdadeiras.
Esvazie-se um pouco de si mesmo para deixar mais espaço para Deus
O passo final é se libertar de si mesmo. Quanto maior o espaço em nosso interior, mais espaço Deus poderá ocupar, se concordarmos em renunciar a nós mesmos. Nossos corações são complexos. Não temos às vezes a sensação de ser esquizofrênicos, jogados entre nossas aspirações mais profundas e as oscilações de nossa autoestima? Dividida em várias direções, nossa vida se torna mais complicada e perde sua transparência. O coração e os lábios se dualizam. O nosso olhar fica turvo, as máscaras se multiplicam.
Com a imagem dos lírios do campo, o Senhor nos convida a deixar ir e nos preocupar apenas com o seu Reino. É necessário derrubar os personagens que criamos para nós mesmos. Isso significa aceitar perder terreno, algo formidável que será melhor tolerado à medida que sejamos mais flexíveis. Este é o caminho da infância espiritual que Jesus nos indica: Viva como uma criança, inconsciente de si mesma, transbordando de confiança. A criança não tem medo, apenas se maravilha!
“Quando vivemos na abundância, na corrida, ficamos cegos, não vemos mais os dons que Deus nos dá constantemente”, nota Isabelle. “É uma delícia ver o dia nascer; no campo, me reencontro com o louvor, e meu coração fica tranquilo”. Quanto mais simples somos, mais perto estamos de Deus, isso é verdade. Mas o inverso também é verdadeiro: “Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nos simplificamos”, como dizia Madre Fébronie, superiora do Carmelo, a Santa Teresinha do Menino Jesus. E assim cada vez mais nos sentimos nós mesmos, pois a alma se desapega do pecado e aparece em verdade. A simplicidade é o objetivo do caminho. Ela está diante de nós, nos braços do Pai que nos espera. É um dom de Deus que nos transforma. A simplicidade está além de nossas complicações, pois ela mesma é a sua cura.
Florence Brière-Loth
Fonte: Aleteia