Em seu primeiro discurso em Portugal, Francisco se dirige a autoridades políticas, à sociedade civil e ao corpo diplomático e frisa necessidade de cuidar do futuro.
A manhã do primeiro dia do Papa Francisco em Portugal foi marcada por compromissos diplomáticos. Após chegar a Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Pontífice se reuniu privadamente com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e se encontrou com autoridades políticas, a sociedade civil e o corpo diplomático.
O mandatário português recebeu o Santo Padre no Aeroporto Figo Maduro. Ambos se dirigiram ao Palácio de Belém, onde se deu a cerimônia oficial de recepção. Os dois líderes se reuniram de forma privada e, por fim, se encaminharam para o Centro Cultural de Belém, indo ao encontro de diversos representantes da sociedade portuguesa.
Diante do público reunido, Marcelo Rebelo de Sousa desejou as boas vindas ao Papa Francisco. Relembrando palavras do próprio Pontífice aos jovens, encorajando-os a não se acomodar e a serem protagonistas no mundo. Da mesma forma, o governante afirmou o desejo português de viver este mesmo anseio.
“Nestes cinco dias, e para além deles, conforme o lema da Jornada, levantar-se e partir apressadamente. Levantar-se, que nunca é tarde para olhar para os outros, hoje e amanhã, ainda mais do que ontem. Partir apressadamente, urgentemente, porque o essencial está sempre por cumprir. Santo Padre, Portugal está com a coragem do vosso testemunho ao serviço de toda a humanidade”, declarou Marcelo Rebelo.
Lisboa, “cidade do oceano”
Em seu primeiro discurso nesta viagem apostólica, o Papa iniciou saudando os presentes, agradecendo a acolhida e falando sobre Lisboa. Ele a definiu como uma “cidade do encontro”, que abraça vários povos e culturas, e durante a JMJ se mostra ainda mais universal. O Santo Padre também destacou que a capital portuguesa se encontra com o mar, delimitador dos continentes.
Neste contexto, Francisco expressou que o oceano, com sua vastidão, leva à reflexão sobre os espaços da alma e o sentido da vida. Citando a mitologia clássica, o Pontífice falou que o mar é filho do céu, levando os mortais a olhar para cima e contemplar o infinito, e da terra, que o abraça e o convida a envolver de amor todo o mundo habitado.
“O oceano não liga apenas povos e países, mas terras e continentes. Por isso Lisboa, ‘cidade do oceano’, lembra a importância do conjunto, a importância de conceber as fronteiras – não como limites que separam, mas como zonas de contato”, refletiu o Santo Padre.
É preciso mudar o ritmo
Na sequência, ele exprimiu que, apesar disso, o mundo se mantém dividido (ou pelo menos não suficientemente unido) diante dos problemas. “Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente que a capacidade – e muitas vezes a vontade – de enfrentar em conjunto tais desafios”, manifestou.
Contudo, a capital portuguesa pode sugerir uma mudança de ritmo, segundo o Pontífice, que recordou o Tratado de Lisboa – documento assinado em 2007 com o objetivo de promover a paz, os valores da União Europeia e o bem estar dos seus povos. Para Francisco, “este é o espírito do conjunto, animado pelo sonho europeu do multilateralismo, mais amplo do que o mero contexto ocidental”.
O Papa também citou a necessidade de abrir caminhos e encontros mais vastos. “Espero que a JMJ seja, para o ‘ancião’ continente, um impulso de abertura universal, um impulso de abertura que se torna mais jovem”. Afinal, para o Santo Padre, o mundo precisa da Europa no seu papel de pacificadora e construtora de pontes, na sua originalidade específica.
Diante disso, Francisco afirmou que hoje o mundo navega em meio a uma tempestade e sente falta de rotas de paz. Ele também denunciou os pesados investimentos na indústria armamentícia, questionando por que não se investe tanto no futuro das crianças e jovens.
“Sonho uma Europa, coração do ocidente, que use o seu engenho, para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança, que saiba encontrar seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas, que inclua povos e pessoas com a sua própria cultura”, declarou o Papa.
Valorizar a vida para construir o futuro
Prosseguindo com seu discurso, o Pontífice retomou a imagem do oceano, recordação da origem da vida. Valor contraposto atualmente pela cultura do descarte, especialmente de crianças não nascidas e de idosos abandonados, pela dificuldade de acolher e pelo desamparo. Falando também sobre a eutanásia, ele provocou:
“Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, a mortandade no mar e os berços vazios? Para onde ides, se perante o tormento de viver, vos limitais a vender remédios rápidos e errados, como fácil acesso à morte, solução cômoda, que parece doce mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?”
Francisco evocou a imagem da “maré” de jovens que se espalham pela cidade, e agradeceu pelo esforço empreendido para recebê-los. E destacou que são “jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade, jovens que sonham e desafiam-nos a realizar os seus sonhos bons”.
Os três estaleiros: ambiente, futuro e fraternidade
Aproximando-se do fim de seu discurso, o Papa declarou que “a JMJ é uma ocasião para construir juntos”, e citou três estaleiros para a construção da esperança: o ambiente, o futuro e a fraternidade.
Em relação ao primeiro estaleiro, o Santo Padre denunciou, entre os problemas ambientais de nível global, a “transformação” do oceano, grande reserva de vida, em lixeiras de plástico. “O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver com harmonia, ele deve ser guardado com cuidado”, alertou.
A partir do cuidado com a casa comum, é proporcionado um espaço sadio para os jovens construírem o futuro. Entretanto, muitos fatores os desanimam, como a falta de trabalho, o ritmo frenético dos dias atuais, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar casa e o medo de constituir família e ter filhos.
Francisco declarou que os governantes não são chamados a conservar o poder, mas dar às pessoas a possibilidade de esperar”. Para isso, sugeriu que invistam nos filhos e promovam alianças intergeracionais, sem apagar o passado e favorecendo os laços entre jovens e idosos. A formação não deve ser apenas técnica, mas precisa transmitir a tradição e a necessidade religiosa do homem e da amizade social.
Assim, o Papa chegou ao último estaleiro, frisando que todos são chamados a promover o sentido da comunidade. Ele manifestou que é bom trabalhar pelo bem comum, deixando os contrastes para trás. “Sintamo-nos chamados, todos juntos, fraternalmente, irmãos e irmãs, a dar esperança a este mundo que vivemos e a este magnífico país”, concluiu.
Próximos compromissos
Ainda nesta quarta-feira, 2, o Pontífice se encontrará com o primeiro-ministro português, António Costa, na Nunciatura Apostólica. O último compromisso do dia é a oração das vésperas com os bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais, no Mosteiro dos Jerônimos.
Fonte: Canção Nova