Ao encontrar-se com membros da Comunidade Pastoral Nossa Senhora das Lágrimas” de Treviglio, no norte da Itália, o Santo Padre destaca que o mundo perdeu a capacidade de “chorar com o coração” pelas tragédias de nossos tempos
“Não devemos ter vergonha de chorar, pelo contrário, os santos nos ensinam que as lágrimas são um dom, às vezes uma graça, um sinal de arrependimento, uma libertação do coração”. O Papa Francisco observou este ponto neste sábado, 23, ao receber em audiência cerca de 2800 peregrinos italianos da Comunidade Pastoral do Santuário de Nossa Senhora das Lágrimas (Comunità Pastorale di Nostra Signora delle Lacrime) de Treviglio, no norte da Itália, na Sala de Audiências Paulo VI.
O santuário, construído no século XVI, celebra os 500 anos do milagre da Virgem que salvou a cidade das tropas francesas com suas lágrimas em 28 de fevereiro de 1522.
Os 500 anos do milagre das lágrimas no quadro da Virgem
A comunidade pediu para se encontrar com o Papa como parte das celebrações dos 500 anos do milagre da lacrimação de uma imagem da Virgem com o Menino, conservada no convento das agostinianas em Treviglio, dia 28 de fevereiro de 1522, enquanto as tropas francesas do General Lautrec estavam prestes a atacar o vilarejo. O general, devoto de Nossa Senhora, depôs seu capacete e sua espada, seguido por seus soldados, e levantou o cerco à cidade, que foi salva da destruição.
As lágrimas de dor e de alegria de Jesus
Aos fiéis presentes na Sala Paulo VI, acompanhados pelo pároco padre Norberto Donghi e pelo arcebispo de Milão dom Mario Delpini, Francisco recordou os outros santuários dedicados à Virgem Maria que chora, de Siracusa, sul da Itália, a La Salette, na França. “Mas o de vocês – enfatizou – é muito mais antigo”. E explicou, oferecendo a todos uma intensa meditação sobre as lágrimas de Maria, que as lágrimas da Mãe “são um reflexo das lágrimas de Jesus”. Ele chorou, como nos diz o Evangelho, no túmulo de seu amigo Lázaro e diante de Jerusalém. Em ambos os casos, lembrou o Pontífice, “eram lágrimas de dor. Mas podemos imaginar que Jesus também chorou de alegria, por exemplo, quando viu os pequenos, as pessoas humildes aceitando entusiasticamente o Evangelho”.
O choro de Maria, sinal da compaixão de Deus
E Maria, “a primeira discípula”, seguiu seu Filho “também na santidade de seus sentimentos, de suas emoções, até mesmo em suas risadas e no pranto”. Assim, continuou o Papa Francisco, “certamente lágrimas de alegria brotaram de seus olhos quando ela deu à luz a Jesus” e “viu os pastores e os Magos prostrarem-se diante d’Ele”. E ela chorou lágrimas amargas, no final, seguindo-o no caminho doloroso “e enquanto aos pés da cruz”. As lágrimas de Maria, esclareceu o Papa, “foram transformadas pela graça de Cristo, como toda a sua vida”. Portanto, “quando Maria chora, suas lágrimas são um sinal da compaixão de Deus”.
Deus tem compaixão por nós, sempre; e Deus quer nos perdoar. E lembro-lhes de uma coisa: Deus sempre perdoa! Sempre! Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. E é por isso que as lágrimas de Nossa Senhora são um sinal da compaixão de Deus, e esta compaixão sempre nos perdoa; são um sinal da dor de Cristo por nossos pecados, pelo mal que aflige a humanidade, especialmente os pequenos, e os inocentes, que são os que sofrem.
Ucrânia: uma guerra que está destruindo a todos
Francisco recordou em seguida a referência à guerra na Ucrânia feita em sua saudação pelo pároco padre Norberto:
As lágrimas de Maria são também um sinal do pranto de Deus pelas vítimas da guerra que está destruindo não apenas a Ucrânia; sejamos corajosos e digamos a verdade: ela está destruindo todos os povos envolvidos na guerra. Todos eles. Porque a guerra não destrói apenas o povo derrotado. Não. Também destrói o vencedor; também destrói aqueles que a assistem com notícias superficiais para ver quem é o vencedor, quem é o derrotado. A guerra destrói a todos. Estejamos atentos com isso.
Maria, Rainha da Paz, acolheu nossa súplica
Ao seu Imaculado Coração, recordou o Pontífice, “confiamos nossa súplica e estamos certos de que a Mãe a aceitou e intercede pela paz, porque ela é a Rainha da Paz”. E amanhã, frisou Francisco, “será o Domingo da Misericórdia”. E ela é a Mãe da Misericórdia. Ela sabe o que significa misericórdia, porque a ‘hauriu’ de Deus”.
Chorar, pedir perdão e abrir-se ao Pai e aos irmãos
Para o povo de Treviso, o Papa Francisco lembrou que “durante cinco séculos sua terra foi regada pelas lágrimas de Maria; de geração em geração seu povo tem sido acompanhado por sua ternura materna”. Ela “os ensina a não ter vergonha das lágrimas”: “não devemos ter vergonha de chorar” porque os santos “nos ensinam que as lágrimas são um dom, às vezes uma graça, um arrependimento, uma libertação do coração”.
Chorar significa abrir-se, romper a carapaça de um eu fechado em si mesmo e abrir-se para o Amor que nos abraça, que está sempre esperando para nos perdoar. Tal é o coração de Deus. Deus está esperando; esperando pelo quê? Pelo perdão, para nos perdoar. Ele está inquieto, é incorrigível: quer perdoar, perdoar… Ele só pede que nós lhe peçamos perdão. Abrir-se ao bom Pai e também abrir-se aos nossos irmãos.
Aprender a chorar também diante dos dramas do descarte
Chorar, continuou o Papa, é “deixar-se comover pelas feridas daqueles que encontramos pelo caminho; saber compartilhar, saber acolher, saber alegrar-se com aqueles que se alegram e chorar com aqueles que choram”. E confesso que acredita que em nosso tempo “perdemos o hábito de chorar ‘bem’”. Perdemos “o choro que vem do coração, o verdadeiro choro como o de Pedro quando ele se arrependeu, como o de Nossa Senhora”.
Nossa civilização, nosso tempo, perdeu o sentido do choro. E devemos pedir a graça de chorar diante das coisas que vemos, diante do uso que se faz da humanidade, não só guerras — falei delas — mas o descarte, anciãos descartados, crianças descartadas mesmo antes de nascerem… Tantos dramas de descarte; aquele que é um homem pobre ali e não tem do que viver é descartado, descartado. As praças, as ruas cheias de sem-teto, as misérias de nosso tempo deveriam nos fazer chorar e precisamos chorar.
Peçamos a graça de chorar. Todos
Há uma missa, recordou Francisco, na Liturgia católica para pedir o dom das lágrimas. “Mas vocês, que têm Nossa Senhora ‘tão próxima’”, peçam este presente.
E a oração daquela missa diz assim: “Ó Senhor, Tu que tiraste água da rocha, deixa que as lágrimas fluam da rocha do meu coração”. O coração da rocha que esqueceu como chorar. Por favor, peçamos a graça de chorar. Todos.
Ternura, compaixão, proximidade. O estilo de Deus
Em conclusão, o Pontífice sublinhou que em nome da comunidade “Nossa Senhora das Lágrimas”, existe toda uma pastoral: uma pastoral de ternura, compaixão, proximidade.
Ternura, compaixão e proximidade. Este é o estilo de Deus. O estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus. Há um estilo pastoral que diz respeito a todos: sacerdotes, diáconos, fiéis leigos, consagrados… Todos próximos, compassivos e ternos. E todas as idades, todas as estações da vida.
Todos “devemos sempre aprender de Maria a seguir Jesus, a deixar seu Espírito moldar nossos sentimentos, nossos desejos, nossos planos e nossas ações de acordo com o coração de Deus”, exortou por fim o Pontífice.
Fonte: Canção Nova