Por trás da nova reforma está o desejo do papa de transformar o menor estado do mundo num instrumento confiável da sua missão.
Em 2020, o título de “Soberano do Estado da Cidade do Vaticano” foi rebaixado no diretório papal para o nível de “títulos históricos” dos papas. Alguns viram nisso um indício do desinteresse do pontífice pelos 44 hectares de território sobre os quais ele reina. No entanto, esta interpretação está errada.
Depois de concluir a grande tarefa de reformar a Cúria Romana com a publicação da “Praedicate Evangelium“, em março de 2022, e de renovar profundamente as estruturas da sua diocese de Roma em janeiro passado, o pontífice decidiu abordar a “constituição” do Estado da Cidade do Vaticano. A última versão da Lei Fundamental data de 2000 e substituiu a que havia sido elaborada em 1929, após a assinatura do Tratado de Latrão.
O Estado da Cidade do Vaticano
Criado para resolver a assim chamada “Questão Romana” e a perda dos Estados Pontifícios, o Vaticano é um “estado patrimonial” de propriedade da Santa Sé. Chefiado pelo papa, mantém relações apenas com a Itália. Ao mesmo tempo, o pontífice também dirige a Santa Sé, principal sujeito do direito internacional reconhecido por outros países e centro espiritual da Igreja Católica. É também uma entidade legal que inclui a Cúria Romana.
A missão do Vaticano permanece inalterada na nova Lei Fundamental promulgada por Francisco, mas a dimensão do “serviço” – da Igreja e da missão do papa – é particularmente reforçada, como já acontecia na “Praedicate Evangelium“.
Como monarca absoluto do Estado do Vaticano, o papa confirma que detém todos os poderes, mas não os delega mais. De fato, o texto afirma que ele delega apenas a “função”, seja ao Governatorado (no tocante ao poder executivo), à Comissão (no tocante ao poder legislativo) ou aos Tribunais (poder judiciário). Ao mesmo tempo, a Lei Fundamental reforça claramente a autonomia destas três entidades, nomeadamente face à Secretaria de Estado, mais uma vez marginalizada.
Um papel maior para os leigos
Outra dinâmica confirmada pela nova Lei Fundamental é a abertura dos cargos de liderança aos leigos — ainda que a Cidade do Vaticano já tivesse sido dirigida por um governador leigo, o marquês Camillo Serafini, de 1929 a 1952. De agora em diante, os membros da Comissão, que são responsáveis por escrever e interpretar as leis vaticanas, podem ser homens e mulheres leigos, quando antes essas funções antes eram reservadas aos cardeais.
“Uma questão de credibilidade”
A nova Lei Fundamental de Francisco, mais longa que a de João Paulo II, também é mais precisa sobre as missões do Estado Pontifício. O objetivo é esclarecer a sua posição no cenário internacional. Ele enfatiza a autoridade exclusiva do Vaticano sobre questões relacionadas à segurança e à ordem pública, saúde, meio ambiente, funcionamento da sua economia e infraestrutura e, em particular, dos Museus do Vaticano, a sua principal fonte de receita.
“É uma questão de credibilidade”, diz o canonista francês mons. Patrick Valdrini, para quem está reforma se insere na dinâmica geral de “purificação da Santa Sé” desejada por Francisco. “O objetivo dele é fazer do Vaticano um Estado modelo”, acrescenta.
O pe. Valdrini destaca o quanto o novo texto é particularmente exigente em termos de ética orçamentária, tema crítico diante dos escândalos financeiros que desacreditam fortemente a missão da Igreja no mundo. Ele também destaca a “modernidade” dos princípios exigidos dos juízes vaticanos, impondo os princípios da “justiça restaurativa”, que dá importância à reabilitação e não se concentra apenas na punição.
Fonte: Aleteia