Em entrevista a um canal de tevê italiano, o cardeal Pietro Parolin falou sobre o Acordo da Santa Sé com a China sobre a nomeação de bispos
O cardeal Parolin ofereceu na noite de sexta-feira, 2, uma análise aprofundada da guerra na Ucrânia e suas implicações internacionais, bem como as relações de confiança da Santa Sé com a China e a Rússia em uma entrevista ao canal de notícias da televisão italiana Tg2.
Falando do Acordo Provisório que a Santa Sé assinou com a China em 2018, o Cardeal Parolin disse: “Quando você negocia com alguém, deve sempre começar por reconhecer sua boa fé. Caso contrário, a negociação não faz sentido”, afirmou.
O cardeal disse estar convencido de que o Acordo Provisório – que visa garantir que todos os bispos do país estejam em comunhão com o Papa, sejam totalmente chineses e totalmente católicos — será renovado. O cardeal observou que uma delegação da Santa Sé voltou à China para continuar as discussões, reconhecendo que houve muitas dificuldades e que há um longo caminho a percorrer. Acrescentou que a jornada exige paciência para seguir adiante e ver as “sementes” que foram plantadas brotarem apesar do clima adverso.
Preparando-se para uma reunião com Kirill
Os efeitos da guerra nas relações com a Rússia e o Patriarcado de Moscou também tiveram destaque na entrevista. Embora originalmente esperado para participar de um encontro inter-religioso no Cazaquistão, no qual o Papa Francisco estará presente, o patriarca Kirill cancelou sua viagem.
Nenhuma razão para o cancelamento foi oferecida, “mas acredito”, disse o cardeal, que um encontro entre o Papa Francisco e Kirill deve ser “bem preparado” para ser eficaz. Parolin observou que o diálogo entre o Patriarcado e a Igreja Católica continua apesar das tradições eclesiais, como na Ortodoxia, que vê as igrejas caracterizadas por uma maior identificação com as autoridades do país em que operam. “Respeitamos esta realidade”, disse, quando vivida com moderação, acrescentando: “Isso não invalida o diálogo”.
Uma possível visita papal à Ucrânia
O Cardeal Parolin também falou sobre as relações diplomáticas com a Ucrânia, dizendo que não houve mudanças. Acrescentou que o Papa Francisco está determinado a visitar o país, como já dito pelo Pontífice publicamente, quando as condições forem adequadas e quando tal visita puder contribuir à causa da paz e não apenas ser uma oportunidade de se registrar uma foto.
No entanto, o cardeal Parolin reiterou que, do ponto de vista diplomático, a Santa Sé permanece aberta a todos, tanto aos agressores quanto aos agredidos, com o objetivo de chegar a uma trégua e buscar uma paz duradoura. O Cardeal Parolin disse que vê João Paulo I como um modelo, apontando para seu sonho de uma paz “justa” e “completa” — ou seja, que satisfaça a todos e que leve em consideração todos os aspectos para evitar conflitos futuros.
As condições para uma guerra defensiva
Parolin também reafirmou a condenação da corrida armamentista e o direito dos povos de se defenderem quando atacados. Não há contradição entre os dois, explicou o Cardeal, lembrando que o Catecismo da Igreja Católica reconhece o direito de defesa armada e a obrigação é deter o agressor. No entanto, insistiu, o exercício desse direito à legítima defesa deve obedecer a condições precisas, que o Secretário de Estado enumerou, salientando que deve ser tido em conta o poder dos meios de destruição modernos.
O Secretário de Estado explicou ainda as razões da grave preocupação do Papa com a corrida armamentista, pontuando que somente em 2021, os gastos militares totalizaram cerca de 2 trilhões de dólares. Parolin descreveu a corrida armamentista como uma “loucura” tanto pelo risco de escalada de todos contra todos quanto pelos recursos que são retirados de outras necessidades do mundo.
Política sofre com retirada de católicos
O Cardeal Parolin voltou-se então para a atual crise política italiana, que culminará em eleições gerais agendadas para 25 de setembro. Parolin reconheceu uma tendência na sociedade de relegar a religião à esfera privada e disse que às vezes os católicos também podem ser deixados de lado.
No entanto, continuou o Cardeal, apesar da atual tendência de secularização, a retirada dos católicos da vida civil é inaceitável. “Não podemos aceitar isso”, disse, “por conta da dimensão social e histórica do cristianismo”. E prosseguiu: “A presença dos católicos na política é importante e a contribuição que eles podem dar é importante. A esperança é que, inspirados no ensinamento do Papa, possam ter uma visão completa das questões, por exemplo, da vida, sem focar em aspectos particulares, e que possam expressar isso também nos partidos em que estão inseridos”.
João Paulo I: um reformador
Finalmente, faltando apenas dois dias para a beatificação de João Paulo I, o Cardeal não poderia deixar de falar do ex-pontífice, que descreveu como um pastor próximo dos mais pobres e centrado essencialmente na fé e no Evangelho.
O Papa João Paulo I era simples e humilde, certamente não um conservador, continuou. Pelo contrário, disse o Cardeal Parolin, ele foi um verdadeiro promotor das reformas do Concílio Vaticano II, primeiro em sua diocese, depois no Patriarcado de Veneza e, finalmente, na Igreja universal.
Parolin acrescentou que não há verdade alguma nos rumores persistentes de que João Paulo I foi envenenado – ele morreu de causas naturais, insistiu, citando os documentos do processo de postulação, bem como “testemunhos incontestáveis”.
Finalmente, disse Parolin, os ensinamentos do Papa João Paulo I sobre questões como migração, pandemias e guerra, enraizados na Doutrina Social da Igreja, ainda são influentes. O Cardeal Parolin ecoou as palavras de João Paulo I, nas quais resumiu como seriam seus compromissos hoje: “Apoiamos tudo o que puder ajudar a trazer a paz a este mundo conturbado”.
Fonte: Canção Nova