Samba da Bênção foi composto pelo Poetinha, que faria 107 anos, em parceria com Baden Powell
Neste domingo (4) o Papa Francisco divulgou uma nova encíclica chamada Fratelli Tutti (Todos Irmãos, em italiano) na qual defende que todo ser humano tem o direito de viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente”. Em um texto de 84 páginas no qual salienta a importância das relações humanas, o Papa citou um trecho de Samba da Bênção, composição do poeta brasileiro Vinicius de Moraes (1913–1980), que completaria 107 anos no próximo dia 19. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, foi o trecho clássico destacado pelo Papa.
Dupla
O poema-musicado é resultado da série Afro-sambas, que originou o disco de 1966 em dupla com o violonista Baden Powell (1937–2000), que incorpora ao samba elementos sonoros e religiosos de matriz africana ao samba. Acostumado a fazer parcerias com a nata da bossa nova, como com Tom Jobim, Dorival Caymmi e Toquinho, o Poetinha conheceu o virtuoso instrumentista negro no início dos anos 60, quando morava em Montevidéu, no Uruguai, onde trabalhava como cônsul-adjunto, e costumava vir ao Rio de Janeiro e se hospedar no apartamento de sua mulher Maria Lúcia Proença, no Parque Guinle.
“Duvido que haja na MPB uma parceria que tenha feito tanto em tão pouco tempo. […] Compúnhamos dia e noite, com muito uísque na cuca – mesmo porque quem é que ia pensar em comer? Bom Dia, Amigo, Samba em Prelúdio, Só Por Amor, Consolação e os primeiros afro-sambas datam desse período de criação e bem dizer incoercível, como Canto do Caboclo Pedra-Preta, Canto de Iemanjá, e Berimbau. […] Daí nos tornamos íntimos amigos, sem reservas e segredos um para o outro”, escreveu Vinicius de Moraes no livro de crônicas Meu Parceiro Baden Powell (Beco do Azougue, 2008).
Modernismo musical
Da parceria musical entre Vinícius de Moraes e Baden Powell surgiram várias canções inspiradas na música sacra afro-brasileira, como Canto de Iemanjá, Canto de Xangô, Canto de Ossanha, Lamento de Exu e Canto do Caboclo Pedra Preta, que entram no álbum clássico Afro-sambas, considerado um marco do modernismo musical. O trabalho é resultado de um movimento pessoal de Vinicius de Moraes, que era comum nos anos 60, que foi o de virar as costas para sua formação acadêmica e elitizada e abraçar a cultura popular. A sequência de encontros ainda rendeu canções importantes que já haviam sido gravadas por outros artistas, como Consolação, gravada por Elizeth Cardoso, e o próprio Samba da Bênção, que já era sucesso na voz de Maria Bethânia.
Além do trecho citado pelo Papa, a canção como um todo é uma lição de sabedoria sobre como superar os obstáculos das relações sem perder a graça e o encanto, como mostram os seguintes versos:
“Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida.”
Viva o Papa, viva o encontro e viva Vinicius de Moraes!
Fonte: Aleteia